Pode parecer simpática a idéia do governo de criar locais especiais e seguros para os dependentes de droga, evitando o risco de seringas contaminadas e outros perigos que cercam a "dependência" - inclusive prestando uma assistência médica adequada.
Não chega a ser novidade. João do Rio escreveu antológica reportagem sobre as Casas de Ópio, onde os usuários podiam consumir livre e seguramente o que mais desejavam. Aliás, casas semelhantes existiam não apenas em todo o Oriente mas em Paris, Londres, Berlim, em todo o mundo.
A idéia resolve o problema do dependente que se encontra em último estágio, tal como as clínicas especializadas abrigam alcoólicos e muitas vezes os curam. Mas não acaba com o uso generalizado da droga - e aí temos duas questões: a da saúde dos usuários e a do crime organizado, que tem na droga o sustentáculo financeiro e logístico.
Pelo contrário. Em havendo um local para o consumo legal de droga, de uma forma ou de outra os traficantes terão de abastecer as ilhas de consumo, o que dará na mesma. Os não-dependentes continuarão na deles - e os traficantes também.
O caminho mais lúcido para combater o tráfico de drogas - que se relaciona estruturalmente com os consumidores, dependentes ou não - seria a liberação geral, tal como a do álcool e a do fumo, que também criam dependência e são nocivas à saúde. Sendo que o álcool também cria graves problemas sociais e policiais, com os crimes e acidentes que provoca. Uma campanha de esclarecimento - que já existe, mas de forma embrionária - poderia limitar, mas não acabar com o uso ou pelo menos com o abuso. Mas droga-se quem quer. Arrisca a saúde e a vida, mas arrisca a própria saúde e a própria vida.
O tráfico ameaça a saúde e a vida da sociedade inteira: os dependentes, os que se drogam por fastio ou moda e, finalmente, ameaça todos nós, drogados ou não.
Folha de São Paulo (São Paulo) 17/11/2004