Toda unanimidade é burra, garantia o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues. Durante o governo militar, ele mesmo estava longe de se transformar na relativa unanimidade em que se converteu mais tarde, quando mesmo os que mais se irritavam com seu conservadorismo e apoio ao autoritarismo acabaram relevando algo da injustiça e agressividade de seus ataques à oposição, e se viram obrigados a engolir seu inegável talento. Em especial ao retratar o falso moralismo e a hipocrisia da sociedade brasileira.
Mas naquele tempo suas baterias miravam sobretudo outros alvos — como a unanimidade com que Chico Buarque era amado por todos. Chico, ainda tão jovem, já encarnava o melhor da alma nacional. Cada brasileiro reconhecia isso de modo inegável. O espaço desta coluna não dá para nem ao menos citar os feitos e qualidades do poeta e compositor, do ficcionista e dramaturgo que fala por nós há tantos anos, com palavras exatas, inteligência aguda, humor preciso, lirismo incomparável e genialidade musical. Todos o trazemos na memória. O merecidíssimo Prêmio Camões que lhe é conferido agora não apenas o reconhece e aplaude como um dos grandes da língua portuguesa, mas o consagra como expressão e honra de toda a lusofonia.
É bom que isso aconteça num momento em que Chico deixou de ser a grande unanimidade nacional. Não por alguma corrosão em seu valor artístico, longe disso. Seu mais recente álbum confirma sua grandeza, se necessário for. Mas ele tem sido agredido é pela intromissão de outras categorias de julgamento nestes tempos de confronto e polarização, em que a democracia com a qual o país sonhou se vê convivendo com vozes carregadas de ódio, que só querem ganhar no grito e se impor pela força, em vez de argumentar ou se somar em busca do entendimento.
Este justo prêmio dado agora a Chico não é uma volta por cima de quem nunca esteve por baixo. Mas lhe permite dizer com Camões: “Enquanto no mundo houver memória, será minha escritura teu letreiro.”