A tentativa de golpe contra o novo governo provocou uma inédita reação inequívoca de apoio às instituições democráticas, vindas de todos os lados, internamente e do exterior. Até mesmo representantes da extrema direita ideológica da França e da Itália, comprometidos com o jogo democrático, se pronunciaram contra o vandalismo como ação política. Assim como, para vencer a eleição, Lula levou o PT para o centro, idealizando uma frente ampla partidária.
Mesmo que não tenha se concretizado completamente na formação do ministério, deixando pouco espaço nos setores importantes para outros que não petistas, esse espírito de união nacional marcou o início do governo e se fortaleceu depois do vandalismo terrorista de domingo. Que Lula entenda a situação, pois não será com um governo de esquerda que conterá as ações de grupos radicais. Nem mesmo conquistará eleitores que, não sendo extremistas, votaram em Bolsonaro ainda imaginando que seria melhor solução que a volta do PT ao governo.
Por certo, os descalabros em Brasília, em atitudes claramente antidemocráticas organizadas, pois atacaram os três centros do poder republicano, farão com que muitos eleitores de direita se afastem desse contágio. Mas não farão com que mudem de posição, apoiando o governo petista. Ser contra o vandalismo não significa ser a favor do petismo.
Por isso Lula errou ao falar sobre a situação colocando-se como chefe de uma facção, não como presidente da República. Tentar defender uma suposta superioridade da esquerda sobre a direita só atiça os ânimos de quem não quer vero PT no poder. O governo Lula deve se impor a essa quase metade do eleitorado que votou em Bolsonaro pela eficiência, pela seriedade, pela sensatez.
Os golpistas de domingo, está evidente, foram auxiliados por colaboracionistas incrustados nas Forças Armadas, nas polícias militares, na máquina pública, seja distrital, seja federal. Não será tarefa fácil desaparelhar os órgãos públicos, e não se resolve a questão aparelhando-os com petistas, como feito anteriormente.
A organização do governo deve obedecer à meritocracia sempre que possível, tornando a máquina pública cada vez mais ocupada por funcionários de carreiras de Estado, que continuará funcionando seja qual for a tendência ideológica do governo de turno. É claro que sempre haverá quadros de confiança do governo eleito, é normal nas democracias.
Lembrar que foram quadros de carreira nas estatais que participaram da rapina do petrolão só reforça a tese de que o governo deve levar em conta não apenas a divisão de cargos entre seus aliados, mas o conceito de que a máquina pública deve ser usada para melhorar o país, não para rechear os cofres partidários ou os bolsos de líderes políticos.
Imaginar que o apoio ao governo neste momento significa que aumentou a popularidade de Lula será um engano perigoso. Pela primeira vez desde que chegou ao poder, em 2003, Lula terá de enfrentar uma ação política de oposição com tamanho suficiente para causar-lhe problemas, assim como uma ação no Congresso muito mais efetiva. Lula já disse, num rasgo de sinceridade, que o governo depende mais do Congresso do que este dele.
Uma demonstração de humildade ao constatar que o novo Congresso é mais conservador, fruto da influência de Bolsonaro na eleição. Quando Lula era hegemônico, ninguém se dizia de direita. Ser 'de direita' tornava o cidadão um pária. Hoje, líderes de direita surgidos nos últimos anos, com gestões competentes e ação política eficaz, são um refúgio para eleitores que não querem se misturar com os extremistas, mas também não veem o PT ou Lula como solução. Muito ao contrário.
Caberá ao novo governo tentar ampliar seu apoio com medidas sensatas e positivas para superar a crise econômica que se avizinha. O ministério tem pessoas competentes e corretas nos principais cargos, embora a maioria seja medíocre, e alguns inaceitáveis, como a ministra do Turismo. Há chance de dar certo.
Que Lula entenda a situação, pois não será com um governo de esquerda que conterá as ações de grupos radicais.