Nos chás que antecedem as sessões da Academia Brasileira os confrades costumam me assediar sobre temas da corte brasiliense. Fujo deles. Brincam comigo dizendo que é para minorar meus arroubos de pernambucanidade. Esses, não os dispenso. Pernambuco é a minha idéia fixa.
Mas da última vez não foi totalmente assim. Falou-se do futebol na obra do conterrâneo João Cabral. Opinei que, nos últimos anos, o escritor mais afinado com futebol era o pernambucanizado Edilberto Coutinho, para quem a Academia já espichava seus olhos de seleção quando a morte o roubou de nós, deixando-nos a sua derradeira imagem, a de contemplar o mar de Boa Viagem e partir. Essa cena poderia ter sido adiada e não foi.
Edilberto Coutinho escreveu com maestria sobre essa paixão brasileira, sobretudo para valorizar o companheirismo flamengo de Zelins do Rego. Digo flamengo e nunca flamenguista, terminologia que o grande romancista detestava e tentou abolir.
A nominata que Edilberto Coutinho costumava sempre lembrar da união de intelectuais com o futebol incluía além do próprio Zelins (o mais apaixonado) e de João Cabral: Drummond, Lélia Coelho Frota, Rubem Fonseca, Sérgio Castro Pinto, Schmidt, Marcos Carneiro de Mendonça, Aníbal Machado, os acadêmicos Coelho Neto, Orígenes Lessa e outros mais.
Em Nação Rubro-Negra: Flamengo, Coutinho diz com razão que, de todos, ninguém viveu o futebol como Zelins.
O enlace da sua obra com o íntimo do povo pode explicar o quanto o tocava "aquela coisa", o jogo, "que me comove como o diabo".
Agora, em tempos de Copa do Mundo faz bem recordar que não fora Zelins a usar o seu prestígio pessoal e não se sabe com que verba o Brasil teria ido ao Mundial de 54, na Suíça, quebrando essa característica de presença em todos eles que só a nós pertence. Mal refeito do desastre de 50, em 54, chorou de novo, na derrota que se repetia, ainda que fosse integrante distingüido de nossa delegação e "chorasse em presença da morte e de estranhos" à Gonçalves Dias.
Zelins nunca foi cartola. Isso não. Na CBF, como no CND, serviu ao desporto. Trabalhou por ele. Não buscou proveito nenhum, senão aquele "masoquismo" que o fazia repetir: "Vou ao futebol e sofro como um pobre diabo". Sofrimento, diga-se, induzido pelo amor à arte. Quando Leônidas montou, em 38, na bicicleta e encantou o mundo, Zelins enfeitiçou-se com o futebol e com o Flamengo, de Leônidas. E não os largou mais, até ser velado na Academia, o esquife enrolado com a bandeira do Flamengo, como que posta ali por astúcias do moleque Ricardo e sob comando de Vitorino Papa-Rabo.
O jornalismo brasileiro carece de recordar nessa aliança de intelectuais com cronistas esportivos, sua colaboração na seção "Esporte e Vida", nas páginas do Jornal dos Sports. É uma beleza de estilo, de paixão descabelada. Uma realização intelectual, com deve ser, manifestação de vida.
Aí é que surge o termo flamengo, com minúscula, para substituir flamenguista, logo seguido por uma legião. Mário Filho e o acadêmico José Honório Rodrigues, à frente. É deste último uma assertiva oposta ao lugar comum de "torcedor doente", ou à derivada em que me incluo, "fanáutico": "Não sou flamenguista. Sou flamengo. E flamengo sadio".
Não haveria, para o meu saudoso confrade, torcedor doente se pertencesse à nação flamengo.
Antonio Maria ou Nêumane Pinto, Gilka Machado ou Valdemar Cavalcanti, Mauro Mota ou Cícero Dias, Sílvio Rabelo ou Aníbal Fernandes, Virginius da Gama e Meio ou Juarez da Gama Batista, todo mundo ouviu a gargalhada girandolosa de Zelins festejando suas vitórias ou confessando humilde e sincero, como me contou Gilberto Freyre:
"Gosto de agrado como menino gosta de bombom".
Em 57, o Flamengo conquista o tricampeonato. Francisco da Luz, o Índio", um moleque de Cabedelo-PB é fato e legenda nos jornais do Rio. Abraçado com o amigo e enrolados à bandeira flamenga, diz, depois que decilitrou umas pingas:
"Doutor Zelins, a gente é campeão de novo".
Não seria bom que Índio e Zelins pudessem repetir, lá de cima, o gesto e a frase, pelo que possa acontecer, agora, 42 anos depois?
Não seria um agrado para Zelins?
E que venha a gargalhada.