As guerras não são feitas para serem vencidas, mas para serem contínuas. Cito de memória um diálogo de George Orwell ("1984"), uma ficção científica que, em alguns momentos, é mais científica do que ficção. Sobretudo quando mostra a sociedade humana em busca de seu ponto ótimo, de sua perfeição, da qual resulta a pior e mais cruel forma de tirania.
Em nome do bem supremo, da paz social e pessoal, o Estado toma conta de tudo, dispondo de uma tecnologia avançada que vigia cada ato do cidadão, punindo com a tortura e a morte aqueles que de alguma forma não seguem as regras do poder encarnado no Grande Irmão -ou seja, o próprio Estado.
Na realidade, essa sociedade perfeita criada por Orwell está em permanente guerra com outras sociedades ou consigo mesma. As batalhas se sucedem e se alternam, uma é ganha, outra é perdida, não tem importância. A guerra é como o show que não pode parar, ganha-se uma para ter direito a entrar em outra.
Olhando a história da humanidade de um ponto de vista neutro, chega-se à conclusão de que uma prepara a outra, não importa o vencedor. O espaço é pouco para detalhar exemplos históricos, mas fiquemos no tempo mais recente. A cadeia de lutas, com ou sem intervalos regulares, constitui a própria história.
A guerra de 1914 preparou a de 1939, que por sua vez preparou a Guerra da Coreia, a do Vietnã, as crises de Berlim, a Guerra Fria, a crise do Oriente Médio, os conflitos regionais na Europa central, no Paquistão, no Iraque etc.
Não há ainda uma guerra total. A própria tecnologia criou armamentos em que não haverá lucro algum em qualquer conflito mundial.
Criará apenas as condições latentes para que as guerras, vencidas ou perdidas, continuem a dar a régua e o compasso da sociedade humana.
Folha de São Paulo, 4/10/2011