Caí na asneira de ser jornalista antes do tempo, quando era moço, nada conhecia da vida e da profissão, nem a vida e a profissão me conheciam, nem tinham necessidade disso. Só me recuperei bem mais tarde, quando as coisas mudaram no mundo e em mim mesmo. E verdade seja dita, se o mundo e a profissão mudaram para pior, eu mudei para bem pior.
Após quebrar a cara no ofício, cobrindo delegacias, motins em penitenciárias, enchentes em Petrópolis e Barra do Piraí, velórios e enterros no Instituto Médico Legal, onde cometi a façanha de entrevistar um defunto esfaqueado em Brás de Pina, defunto que ainda vivia, estrebuchando embora.
Custei a descobrir o filão mais substancioso do ofício. Era o mercado de trabalho nos institutos governamentais e das grandes empresas, estatais ou não.
Todos precisavam de profissionais, de muitos profissionais, não necessariamente famosos, de primeiríssimo time, mas que dessem para o gasto, para redigir matérias, discursos dos presidentes de cada órgão, releases para serem distribuídos aos cadernos de economia.
Fui trabalhar no Departamento de Águas e Esgotos, a primeira estatal onde descolei um emprego.Tive um caso com uma estagiária que terminara o curso de Comunicação e abandonara, entre outras coisas, a militância no Apostolado da Oração, da Paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Grajaú, onde a mãe, presidente vitalícia da instituição, mantinha a filha no bom caminho. Por imposição da mãe ou por vontade própria, pertencera à Cruzada Eucarística.
Bem verdade que fiquei deprimido quando fui contratado pelo Departamento de Águas e Esgotos, com o dobro do salário e com menos hora de expediente.
A primeira matéria que me mandaram fazer era um comunicado a todos os jornais e emissoras de rádio e TV, avisando que, devido a um acidente na elevatória de Paracambi, faltaria água nos bairros da zona leste, na zona oeste, em algumas ruas da zona norte e no entorno da praça Mauá. Admiti que matéria desse porte era melhor do que entrevistar defunto que ainda não morrera, numa gaveta da geladeira do Instituto Médico Legal.
No tempo das vacas magras, havia sempre aquele nó, aquele momento da verdade que muitas vezes botava tudo a perder. Não tendo dinheiro para ter um apartamento próprio, a solução eram os quartos alugados em casa de ex-cafetinas, de homossexuais aposentados ou em vias disso, que mantinham pequenos conjugados no centro da cidade, no Catete ou no Flamengo.
Eram quartos sórdidos, em ruas manjadas à distância, que cheiravam a esperma, a vaginas besuntadas com cremes que pretendiam evitar a gravidez. Ainda não existia pílula anticoncepcional, e o uso da camisinha era considerado brochante por ambas as partes.
Tantas e tais condições eram infamantes, diminuíam em parte o tesão, que só se manifestava nos minutos finais, justo quando expirava o prazo fatal e, do lado de fora, a cafetina fazia barulho com o molho das chaves. Qualquer prorrogação equivalia a um aumento proporcional no preço do aluguel.
E ainda por cima, desgraça das desgraças, havia os porteiros. Ah! Os porteiros! Bastariam para desequilibrar o prazer com o exame descarado que eles faziam das acompanhantes, como se registrassem as características físicas e as possibilidades sexuais de cada uma.
Muitas mulheres aceitavam tudo, menos enfrentar os porteiros, o que me obrigava a um custo suplementar. Ia na frente, me entendia com eles, pedia que deixassem a portaria livre por meio minuto, pagava-lhes uma cerveja.
E embora soubesse que de algum canto eles não se recusavam a fazer o exame de praxe, garantia para elas que a barra estava limpa.
O recurso mais banal, para se convencer a acompanhante a relevar tantos infortúnios, era apelar para a esqualidez da paisagem, o desolante cenário que seriam compensados pela radiante presença do desejo, dos gritos, murmúrios e sussurros do amor.
E umas pelas outras, a coisa funcionava, porque se havia receio por parte da parceira, além do desejo, havia a curiosidade dela para ver como é que era.
E, apesar de tudo, era geralmente bom, para ambas as partes.
Folha de São Paulo, 2/12/2011