No embate entre a “verdade real” que busca o relator Herman Benjamim, e a “cegueira deliberada” está a essência do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o abuso de poder econômico e político da chapa Dilma-Temer na eleição de 2014. Não foi à toa que o mercado financeiro reagiu positivamente às indicações de que o presidente Michel Temer pode vir a ser absolvido pelo TSE.
A “cegueira deliberada”, neste caso, leva em consideração a suposta estabilidade política do país, no pressuposto de que a manutenção de um presidente reformista com apoio parlamentar, mesmo reduzido, é a garantia de que as medidas certas serão tomadas pelo Congresso. Não importa se esse presidente perdeu a capacidade de governar por ações impróprias, não só ao cargo, mas à atividade política. Não há nada nesse comportamento que se case com a máxima que diz que a Justiça é cega.
O presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, já ressaltou várias vezes, em entrevistas e mesmo durante as sessões de julgamento, que é preciso ter equilíbrio e pensar na estabilidade do país ao decidir. O processo está em tramitação há mais de 3 anos porque a lei exige que a denúncia seja feita no máximo 15 dias depois da proclamação do resultado, e nesse período houve muitas mudanças políticas no país, sob a égide da Operação Lava Jato, que se evidenciaram no comportamento de diversos dos seus participantes.
O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, já esteve à frente de um movimento vitorioso para reabrir o processo e incluir nele fatos referentes às investigações da Operação Lava Jato. Foi em outubro de 2015, quando a então relatora Maria Thereza de Assis havia rejeitado, em decisão individual, o pedido do PSDB, e decidira arquivar a ação. Na ocasião, a questão dos limites objetivos da inicial foi apreciada pelo TSE e a maioria do plenário decidiu pela admissibilidade da Aime 761, determinando o prosseguimento da instrução contra o abuso de poder político e econômico nas eleições de 2014.
Herman Benjamin citou vários trechos do voto do ministro Gilmar Mendes no julgamento da Aime, destacando a estreita relação do financiamento eleitoral com o esquema de corrupção na Petrobras. Segundo ele, “não há qualquer dúvida de que o aprofundamento da Investigação Judicial Eleitoral [Aije 194358] sobre a Odebrecht foi decorrente, além de menção explícita e direta da petição inicial, de fatos conhecidos correlatos da relação entre a empresa e a campanha presidencial de 2014, o que qualquer cidadão brasileiro minimamente informado tem plena consciência”, afirmou.
Por isso o ministro Gilmar Mendes tem razão quando disse: “Essa ação só existe graças ao meu empenho, modéstia às favas”. Naquele momento, a presidente Dilma ainda estava no cargo e Gilmar Mendes mantinha a coerência de hoje. Dizia que o objetivo não era cassar a chapa, mas analisar nosso processo eleitoral e tomar providências para que os casos de corrupção que estavam vindo à tona na Operação Lava Jato não se repetissem.
O PSDB, autor das ações, é hoje o principal suporte do governo Michel Temer, que assumiu a presidência depois do impeachment da presidente Dilma. E interessa aos tucanos, e também ao PT, que Temer seja absolvido para impedir que o senador Aécio Neves, ex-presidente do partido, e também o ex-presidente Lula, sejam levados de cambulhada em uma eventual condenação de Michel Temer sem o foro privilegiado.
Segundo o relator, ministro Herman Benjamim “a verdade é essa: não se quer aqui nestes autos as provas relativas à Odebrecht. O que se quer é que o TSE feche os olhos sob argumentos técnicos à prova referente à Odebrecht”.
O ministro Gilmar Mendes pontua sempre que, mais do que decidir se cassa ou não a chapa, é preciso trazer à tona o que chama de “corruptocracia”, e ajudar a dar um freio nesses hábitos eleitorais corruptos que dominam a política brasileira. Mas ele sabe que sem punição rigorosa dos que cometeram os desvios, sem coloração partidária, não haverá uma solução para o problema.
Ao comandar a divergência com o relator em relação à inclusão das delações dos executivos da Odebrecht, quer tirar dos autos a “verdade real” que, como diz o relator, “somente os índios não contactados desconhecem”, e fazer com que o julgamento se dê em torno da “verdade dos autos”, esterelizada para alegadamente garantir a estabilidade política do governo.
O Ministro Gilmar Mendes está não apenas sendo incoerente, mas impedindo, se vitorioso, que a corrupção que diz querer combater seja punida num julgamento histórico que, sob sua presidência, poderá ser um marco na justiça eleitoral do país.