Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Cecília Meireles - Deusa e poeta

Cecília Meireles - Deusa e poeta

 

No dia 7 de novembro de 1901, nascia Cecília Meireles aqui no Rio de Janeiro. E morreria 48 horas depois de completar 63 anos de idade, no dia 9 de novembro de 1964. Segundo Drummond, em novembro ela veio e, em novembro, se foi: ''Mulher bela e poeta. Mas principalmente deusa''.


Desde criança, viu-se marcada pela morte: seu pai morrera quando ela ainda estava no ventre materno. E perdera sua mãe três anos depois. Foi uma órfã praticamente completa, íntima da morte desde a sua gestação, cujas histórias narradas talvez lhe tenham produzido o influxo ibérico, lusitano, espanhol, ilhéu e oceânico.


Sua infância foi perseguida pela orfandade, que influenciaria toda a sua obra poética. Seria escolhida por essa fatalidade até mesmo no casamento com o ilustrador português Correia Dias - pai de suas três filhas Marias (Matilde, Elvira e Fernanda) -, que se suicidaria logo em seguida.


Era uma mulher bonita, elegante, com chapéus vistosos, de abas largas, inspiradora de grandes e apaixonados admiradores, como Péricles Eugênio da Silva Ramos, Carlos Lacerda, José Lins do Rego, Murilo Mendes e Drummond.


Casou-se em segundas núpcias com Heitor Grillo, conselheiro e amigo, um homem importante em sua vida.


Assim como a estrela de Davi, a sua também possuía cinco pontas: Drummond, Bandeira, João Cabral, Vinicius e ela.


Tinha horror a que a chamassem de poetisa. E escreveu: ''Não sou alegre, nem sou triste. Sou apenas uma poeta''.


Dava seus primeiros passos na poesia brasileira quando, em 1922, nascia o Modernismo, que pouco a influenciou, a não ser em esparsas colaborações para a revista Festa e na tese O espírito vitorioso, publicada em 1929.


Na construção de sua obra, utilizou-se do Simbolismo e do Modernismo, das técnicas gongóricas, classicistas, parnasianas, românticas e surrealistas. Um pouco na linha simbolista de Verlaine e de Rimbaud, dominava ilimitados recursos de métrica. Usou-os todos, sem peias nem restrições.


A poesia ceciliana caracteriza-se, no plano formal, pela riqueza de recursos estilísticos, em imagens que se sucediam umas às outras, num crescendo constante, até atingirem a temática do objetivo colimado. É mística, espiritual, sentida, quase musical, lírica, metricamente bem definida.


Tinha apenas 16 anos de idade quando escreveu Espectros. E depois, Nunca mais..., Viagem, distinguida em 1938 com o Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras, sendo a primeira mulher nela premiada.


Mas a sua principal obra é o Romanceiro da Inconfidência. Aí, num longo poema, todo rimado, combina história com poesia, criação, folclore, profecia, romantismo, bravura e imaginação, exibindo um mosaico de enorme intensidade, onde traça em pinceladas fortes os vultos de Joaquim José da Silva Xavier, Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa, Alvarenga Peixoto, o ''Embuçado'' e outros líderes conspiradores mineiros, que lançaram as sementes da Independência brasileira.


Traduziu muitos poemas e dramas, vertendo para o português a peça castelhana Bodas de sangue, de Lorca, encenada em 1965 por Dulcina e Odilon no Teatro Municipal, que ela não chegou a assistir, porque morrera um ano antes, mas que teve num dos principais papéis sua própria filha Maria Fernanda.


Nos anos 50, quando atingia o auge da glória, Cecília tinha todos os méritos, livros e condições para entrar na ABL (mas não entrou, porque naquela época a mulher nela ainda não era admitida, o que só veio a acontecer no dia 4 de novembro de 1977, com a posse de Rachel de Queiroz).


Em várias ilhas do arquipélago português dos Açores (São Miguel, Terceira e Pico), existem hoje ruas e praças com o seu nome. Em Lisboa, é considerada uma poeta quase portuguesa, sendo tão debatida e estudada quanto no Rio e em São Paulo.


Esta poeta maravilhosa, que no próximo mês de novembro completa 104 anos de nascimento e 41 anos de morte, legou-nos um imenso acervo de poemas escritos com amor, inspiração, visão e sonho, além de uma poesia e um rastro de luz simplesmente duradouros e inesquecíveis.




Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 17/08/2005

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 17/08/2005