RIO DE JANEIRO - Para aumentar a poluição que está sendo feita sobre o centenário da morte de Machado de Assis, aí vai uma contribuição que encontrei num de seus contos mais famosos: "Naquele tempo, Itaguaí, que como as demais vilas, arraiais e povoações da colônia, não dispunha de imprensa, tinha dois modos de divulgar uma notícia: ou por meio de cartazes manuscritos pregados na porta da Câmara e da matriz; ou por meio de matraca. Contratava-se um homem, por um ou mais dias, para andar as ruas do povoado, com uma matraca na mão. De quando em quando tocava a matraca, reunia-se gente, e ele anunciava o que lhe incumbiam -um remédio para sezões, umas terras lavradas, um soneto, um donativo eclesiástico, o mais belo discurso do ano etc."
No contexto de "O alienista", a citação é relativa a uma constatação do boticário Crispim Soares, quando Simão Bacamarte expõe sua teoria sobre a loucura, definindo-a como "uma experiência que vai mudar a face da terra". Entusiasmado, puxa-saco oficial de Itaguaí, o boticário declara que se trata de um "caso de matraca".
Como se vê, a moderna comunicação social tem uma ancestral ilustre. Tecnologicamente não era lá essas coisas, as matracas vinham da pré-história, substituíam as nuvens de fumaça do homem da caverna e dos índios, mas tinham maior eficácia. Ao longo da Idade Média, havia os arautos que faziam mais ou menos a mesma coisa, mas não usavam matracas, que passaram a substituir os sinos das igrejas nos dias de dor da cristandade.
Os veículos de comunicação foram aperfeiçoados -aliás, os veículos em geral. Das bigas romanas às carroças de boi até às naves espaciais, todos se beneficiaram da técnica. Mas da matraca à internet, a diferença não é de gênero, é apenas de grau.
Folha de S. Paulo (SP) 29/7/2008