Aqueles que reclamam do casamento, e que se separam, acabam casando de novo. Vitória da esperança sobre a experiência? Pode ser.
Quando o Beto Scliar era pequeno, uma vez voltou do colégio com uma reclamação: os pais dos colegas dele estavam se separando, quando é que a gente ia se separar também? Pais corujas, superprotetores, nós sempre atendíamos às reivindicações do guri, mas nesse caso tivemos de fazer uma exceção: continuamos casados e, no fim, ele acabou se resignando. O Beto não era o único a estranhar casamentos prolongados: há um dito segundo o qual, depois de certo tempo, o casamento já não é casamento, é incesto. O que não deixa de ter certa lógica: lá pelas tantas, os cônjuges não são simplesmente marido e mulher, são cúmplices, irmãos. Há até uma certa semelhança física entre eles. Claro: se riem juntos, se choram juntos, se se enfurecem juntos, os traços fisionômicos vão se modificando e se tornando parecidos.
Por que alguns casais permanecem juntos e outros se separam? A resposta mais óbvia, e mais tola, é: porque uns se amam e outros não. Não é isso: há pessoas que se amam e se separam, há pessoas que não se amam e ficam juntas. No Bom Fim da minha infância isso era muito comum: a gente sabia de casais que se odiavam, que não tinham mais qualquer esboço de vida sexual, mas que não se separavam simplesmente porque separação custa dinheiro: duas casas, duas cozinhas, duas contas de luz. A fidelidade ali resultava da pobreza, não da paixão.
Todo mundo fala mal do casamento. No livro A Língua de Três Pontas, colecionei uma série de citações antimatrimoniais, que já começam na Roma antiga, com Ovídio: "O principal dote que os consortes trazem para o casamento é a vontade de brigar". Coleridge: "O melhor casamento é aquele que une uma mulher cega a um homem surdo". Benjamin Franklin: "Abra bem os olhos antes de casar. Mantenha-os semifechados depois". Swift: "Não sabemos o que acontece quando as pessoas vão para o céu. Só sabemos é que não casam." Taine: "Amor, durante três meses; brigas, durante três anos; resignação, durante trinta anos." Pope: "No namoro, sonha-se. Na cama de casal, acorda-se." E o epitáfio que o poeta John Dryden colocou no túmulo da mulher? "Aqui jaz minha esposa. Ela agora descansa em paz. Eu também."
Não há dúvida de que em muitos casos a separação é o caminho mais sensato para evitar o sofrimento de uma convivência não desejada (ou não mais desejada). A verdade, porém, é que desde Adão e Eva o casamento resiste. E resiste inclusive a drásticas mudanças sociais. Tomem o caso da Revolução Russa de 1917. Entre os revolucionários, havia muitos que viam no socialismo uma forma de mudar por completo a sociedade, inclusive no que se referia ao casamento. Foi o caso de Alexandra Kollontai (1872-1952), comunista de primeira hora. Casada, a jovem Kollontai não estava satisfeita com a vida que levava: "Amava a meu belo marido e dizia a todos que era extraordinariamente feliz. Mas essa felicidade me aprisionava. Eu queria ser livre. Eu não queria viver como viviam todas as minhas amigas casadas: o marido ia trabalhar e a mulher ficava em casa, entregue às lides domésticas." Separou-se, pois, aderiu à revolução, tornou-se uma líder e uma propagandista do amor livre. Que não pegou: de fato, a ex-União Soviética era uma sociedade extremamente quadrada e conservadora. Alexandra resignou-se, aceitou o stalinismo e nunca mais reclamou. E aqueles que reclamam do casamento, e que se separam, acabam casando de novo. Vitória da esperança sobre a experiência? Pode ser. Mas não é o que aparece nas belas fotos que o Beto faz de nós.
Zero Hora (RS) 9/3/2008