Que a crise está braba está. Desde que assumiu o poder, nem Lula nem o PT passaram por entaladelas iguais. Tudo o que houve anteriormente parece nada diante do que está havendo e, sobretudo, do que ainda poderá haver.
A propósito, lembro um conto de Máximo Górki que tem a ver com a atual situação. Dois viajantes são surpreendidos pela noite e pelo temporal, chegam a uma aldeia e pedem pousada. Ali, todo mundo é pobre, ninguém pode ajudar.
Mas informam que, afastada, há uma casa em ruína, lá poderiam abrigar-se do temporal e da noite. Informam também que a casa é mal-assombrada. Havia histórias terríveis a respeito dela.
Os viajantes eram de uma cidade grande, homens arejados. Agradeceram a informação e se instalaram na casa, ocupando a sala maior e mais abrigada. Estavam cansados e tentaram dormir.
Impossível. Começaram a ouvir as janelas batendo. Não deram importância. Mas logo começaram a ouvir passos, correntes arrastadas, gemidos. Os dois se olharam e um perguntou ao outro: "Você está ouvindo o que estou ouvindo?". A resposta veio com voz trêmula: "Estou".
Gemidos, correntes arrastadas e bater de janelas continuaram. O primeiro voltou a perguntar ao segundo: "O que você está achando?". Voz ainda mais trêmula respondeu: "Não estou achando nada. Só sei uma coisa: seria melhor se nada disso estivesse acontecendo".
Os dois viajantes são Lula e o PT. Viviam muito bem na estrada, mas quiseram se abrigar na casa mal-assombrada do poder. Passos suspeitos, correntes arrastadas, gemidos, toda a liturgia encenada pelos fantasmas não apenas da oposição mas da própria situação estão soltos e excitados. Nem Lula nem o PT têm coragem para ver o que está havendo. Só concordam numa coisa: seria melhor se nada disso estivesse acontecendo.
PS - Face ao exposto, estarei fora desta casa mal-assombrada pelos próximos dez dias. Em Paris, acho que os fantasmas são outros e mais amenos.
Folha de São Paulo (São Paulo) 19/06/2005