RIO DE JANEIRO - Nos tempos da 2ª Guerra Mundial, personagem criado por Walt Disney para a política da boa vizinhança, o papagaio Zé Carioca meteu-se a mágico, arregaçou as mangas na base do "nada aqui nesta manga, nada aqui nesta outra manga". De uma delas caiu uma carta de baralho, o ás de espadas, que ele trazia para qualquer emergência em mesa de pôquer.
Outro carioca, aliás, todos os cariocas tinham na manga, escondido para uma última cartada contra a violência urbana, um ás de espadas que decidiria a partida a favor da tranqüilidade geral.
Seria o recurso de apelar para tropas do Exército como solução extrema para o policiamento dos focos criminosos que atuam à margem do Estado.
O episódio do morro da Providência, lamentável em si mesmo, ameaça um malefício dramático: a perda da esperança que guardávamos como recurso final para decidir a luta contra a bandidagem. Como disseram os moradores locais, os militares que ali foram colocados em nada se diferenciavam dos policiais a que estão habituados.
A generalização deve ser evitada. O tenente que comandou a entrega de três jovens aos traficantes, bem como seus subordinados imediatos, é um caso até agora isolado. Não se pode julgar o Exército, como instituição, pela demência de alguns poucos soldados. Mas, no primeiro impacto da notícia, a sensação foi a perda da carta que tínhamos na manga para dar um fim ao crime organizado.
O debate sobre o uso das Forças Armadas na guerrilha urbana que o Rio trava há tempos trouxe um fato novo e inesperado. Repito: lamentável, mas até agora isolado. Não pode servir como argumento final para a guerra que tem de ser travada contra a chaga social que perdura e impede que se enfrente o inverno do nosso descontentamento.
Folha de S. Paulo (SP) 22/6/2008