Em boa hora, de logo, a OAB do Rio de Janeiro, pela palavra candente do presidente Wadih Damous, impediu que se generalizasse a visão de uma advocacia ligada à ideologia clássica do moralismo udenóide brasileiro. Compreende-se a entrada em cena, pelo Cansei dos ricos super-ricos, confundindo a ordem pública com as benesses do status quo, que os favorece ainda mais. Mas a OAB de São Paulo não pode se atribuir o exercício privativo da cidadania, como se, naturalmente, o Brasil, visto dos seus luxuosos escritórios, fosse a paisagem da nação que acorda. De imediato, a reação dos sindicatos e dos movimentos sociais - passando ao "cansamos" - isolou de logo o mote de Paulo Zutollo, da sua Phillips, das suas verbas publicitárias, convocatórias eletrônicas, e consultorias milionárias para a movimentação da campanha.
Nada há de comum entre o refinado pacote de pressão, preparado pelos cresos cívicos com o que representa um legítimo movimento social, mesmo venha do país instalado e dessa classe média que acaba sempre por confundir os seus interesses com os que estão no topo do sistema. Nem nos aquiete a certeza de que a investida da Avenida Paulista não prospera nas ruas da metrópole, nem resista à sua boa garoa.
A má consciência do Cansei reponta na rapidez com que, quem rebate, confessa e, na sede de se justificar, expõe a traquinada. Movimentos não se explicam, nem têm post scriptum, nem, sobretudo, reiteração de intenções, ou correção de saídas estouvadas. São o que são, se querem exprimir uma onda legítima de inconformismo, e não o script das suas relações públicas ou anúncios monitorados. Todos têm direito de ir à cívica, mas não leva muito longe a bravata ou a lavagem da alma dos grupos mais opulentos saídos do ninho quente do conforto que lhes deu Lula.
A democracia começa por não ser excludente, no tirar as brioches dos muito, muito ricos. O que não pode o país instalado é ser curador da consciência ética nacional ou, sobretudo, buscar seu respaldo normativo na Ordem dos Advogados do Brasil. O dever da sua imparcialidade resiste aos furores de circunstância do país-bem, tanto quanto a proclamada vivência democrática começa pela preservação do Estado de Direito. Não é grosseria lembrar este mandamento à seccional paulista, como fez o presidente da OAB do Rio de Janeiro. O importante, sim, é que a dessolidarização nacional da classe ao suspeitíssimo Cansei afaste a Ordem dos petitórios, ou dos mea culpas das explicações, surpreendidos com a boca na botija, na sua ira suntuosa. Conceda-se o benefício da indiscutível boa-fé, no que seja seu direito de protesto, justamente em nome da nação que surge, se verem como atores críticos da nossa prosperidade.
O presidente Zuttolo é parte - como não - do sentimento de que é seu, também, o paisão de Lula. O Cansei fraturado no seu arranco serve, também, para espancar toda consciência ingênua nestas manobras que nada têm a ver com a "boa-fé" com que vai à luta cívica e reconhece quem é quem para levá-la à frente. Quem experimenta a mudança, e a vive e a partilha, sabe, mais que nunca, que a direita e a esquerda são polaridades insubstituíveis, para o desfecho da mudança e sua consciência. O status quo tem os seus prisioneiros do inconsciente social, dogmáticos, vociferantes, donos de uma retórica, herdeira do elitismo arqueológico. A bússola política continua cada vez mais contundente. Quem declara que não há mais direita ou esquerda é, sem salvação, nem torna, de direita.
Jornal do Brasil (RJ) 8/8/2007