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Caminho perigoso

 

O ataque do senador Jorge Kajuru ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que viralizou nas redes sociais e foi tema de amplo debate no Senado, é exemplo da disputa de poder que está em curso entre o Legislativo, o Ministério Público e o Supremo, criando uma potencial crise institucional.

O ministro Gilmar Mendes, acusado por Kajuru de vender sentenças e ser sócio de políticos que manda soltar, pediu as providências cabíveis ao presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli. Mas o próprio Gilmar, em seu voto no julgamento que acabou enviando para a Justiça Eleitoral os processos sobre corrupção política, insinuou aos brados que os procuradores de Curitiba estão atrás do “ouro”, devido à fundação privada que pretendiam criar para gerir a multa bilionária em dólares que a Petrobras pagou para se livrar de processos nos Estados Unidos devido ao escândalo do petrolão.

Disse ainda que eles adotam “métodos de gangaster”, chamou-os de “gentalha despreparada”, “cretinos”. Poderia ser processado, assim como o senador Kajuru também. Mas os procuradores do Ministério Público se consideram  donos da verdade, e incitam a opinião pública contra os que lhes fazem críticas.  

Fez bem o ministro Gilmar Mendes de não ampliar o escopo da tal investigação secreta mandada instaurar sobre “fake news” e insultos contra o STF e seus membros.

O próprio Gilmar já processou, e ganhou, blogueiros sujos que o caluniaram, e esse deveria ser o comportamento normal de um ministro ou de qualquer outra autoridade quando confrontada com um comportamento incivilizado de cidadãos.

Não foi o que fez o ministro Lewandowiski quando um passageiro abordou-o afirmando que tinha vergonha do Supremo. Mandou chamar a Polícia Federal e o cidadão, um advogado, teve que depor por exercer seu direito de crítica. No momento radicalizado que vivemos, passou a ser corriqueiro autoridades serem perseguidas nas ruas ou em restaurantes por cidadãos indignados.

Políticos ligados ao PT sofreram na pele, depois do impeachment da ex-presidente Dilma, o mesmo que causaram aos que lhe eram críticos durante o auge do governo Lula. Quando em maioria, achincalhavam os opositores e tentavam encurralá-los em uma definição ideológica rasa: eram direitistas. Até mesmo o PSDB, que hoje os bolsonaristas consideram perigosos esquerdistas, foi considerado de direita.

 Hoje, os bolsonaristas atacam pelas redes sociais quem critica o governo ou discorda de decisões tomadas e de atitudes que consideram indecorosas. São todos comunistas. O ambiente político não comporta distensão nas duas pontas, e o embate ideológico abrange também os poderes da República.

É sinal de nossa decadência como sociedade a impossibilidade de políticos e autoridades andarem nas ruas, ou entrarem em aviões. As redes sociais mudaram o patamar da participação dos cidadãos no debate político, o que pode ser bom e mau ao mesmo tempo.

Bom porque amplia a capacidade de influir dos cidadãos, em nome de quem o poder é exercido. Mas mau, como acontece com mais freqüência do que seria de se desejar num país civilizado, quando essas mesmas redes são utilizadas para vilipendiar políticos e autoridades de maneira geral.

Mas é também sinal de retrocesso a tentativa de controlar as investigações contra a corrupção, o que provoca a ira dos cidadãos. A reação de parte do Legislativo contra o Supremo leva a que o poder de legislar se transforme em instrumento para vinganças, como a ameaça de instalar uma CPI para investigar o STF. Ou a proposta de uma legislação que transforma o cargo vitalício de ministro do Supremo, com aposentadoria compulsória aos 75 anos, em cargo de mandato fixo.

Não que seja estranho os ministros dos tribunais superiores terem mandato, diversos países democráticos são assim. Nos tribunais europeus, de maneira geral, os mandatos podem ser de 8 a 14 anos, dispostos de tal forma que as vagas abram em períodos regulares.

Já nos EUA, o mandato é vitalício sem aposentadoria compulsória. Lá, quando vão chegando a uma idade muito avançada, ministros esperam a entrada no governo de um Presidente do seu grupo político para se aposentar.

 Tanto o PT quanto os bolsonaristas alimentam essa rivalidade com esmero. Eduardo Bolsonaro já disse que para fechar o Supremo bastava mandar um cabo e um soldado. José Dirceu, condenado diversas vezes e prestes a voltar para a cadeia, disse que é preciso esvaziar ao máximo o Supremo.

Se os membros dos poderes não se dão ao respeito, nem se respeitam uns aos outros, por que o cidadão iria respeitá-los? Esse caminho leva a uma crise institucional.

O Globo, 21/03/2019