O Carnaval está esquentando. A alegria de sempre vai para todas as bandas no prazer do divertir e brincar. Encherão nossos olhos as fantasias exuberantes e belas vestidas por nossas enxutas carnavalescas. Mas o maior sucesso mesmo são as peladas, escondendo em paetês suas bondades, como chamava o nosso Pero Vaz de Caminha.
O perigo fica por conta do "New York Times", que anda a fotografar a barriga das nossas musas, vendo defeito nas calorias acumuladas. E, sobretudo, americano falando de mulher gorda. Se bem que eu não sou daqueles que acham que a gordura não tenha seus encantos. Rubens, artista eterno, pintou redondas admiráveis mulheres do seu tempo. E Botero, o colombiano atual, enche os museus do mundo inteiro com telas e esculturas de eróticas gorduchas popozudas .
A discussão sobre gordura como tema político associado ao Fome Zero nasceu quando o IBGE descobriu que no Brasil era mais fácil encontrar um obeso na praia do que um faminto na favela. Estatística dessa natureza só o IBGE explica, assim como a lei da gravidade não funciona em Olinda, todos no ar, pulando frevo. O jornal americano duvidou de Gisele Bündchen, brasileira, e fez da tcheca-italiana Suchopárková a Garota de Ipanema. Pelo hábito, só viu airbags avantajados e barrigas calóricas. Que preconceito primeiro-mundista contra as nossas nada desprezíveis coroas-saradas!
Lourival Baptista, uma das melhores figuras humanas que já passaram pelo Congresso, tinha como causa parlamentar a luta contra o tabagismo. E fazia proselitismo em todo lugar. Uma vez, voando para Porto Alegre, uma senhora fumava a bordo. Ele protestou e a ela recomendou: "Não fume, minha senhora, o fumo faz rugas nas mulheres". A gaúcha respondeu, justificando-se: "Se eu deixar de fumar vou engordar e meu marido me abandona". Lourival testemunhou: "Por que não é nordestino. Nós agüentamos cem, 150 quilos e nosso amor não acaba". A senhora pediu-lhe: "Diga isso na televisão para nossos maridos serem como vocês". Lourival agradeceu e voltou a seu assento, corado e circunspeto.
Em 1974, participei em Xangai de um seminário sobre "balanço alimentar no mundo". Como a gordura se movimentava nos continentes, saindo das áreas do Terceiro Mundo para criar as populações gordas do Primeiro Mundo! E um especialista no tema nos fez uma exposição de causar medo: como a alimentação estava a distribuir-se no planeta. Falou dos mares que, a cada ano, não renovavam o estoque de peixes que eram pescados. Só há uma solução, dizia ele: os ricos comerem menos e aprenderem a comer, enquanto os pobres deveriam comer mais, sempre buscando um equilíbrio. A gordura continuava -é uma expropriação. Vamos conferir isso agora, no Carnaval, e ver se nas escolas de samba o "New York Times" vai ver as gordas que viu nas praias. É a hora da verdade. E não iremos permitir que o FMI inclua um jurado para medir a barriga das desfilantes.
Mas há remédio para tudo. Agora descobriram que o spray de cabelo esconde e apaga as estrias. Assim, recomenda-se borrifar coxas e entrecoxas, filé e popô, para apagar as marcas que as mulheres combatem e detestam.
No mais, é sair para o Carnaval, com samba no pé e no taco.
Evoé, Baco (!), como louvava Manuel Bandeira, mestre de baterias dos poetas brasileiros.
Folha de São Paulo (São Paulo) 04/02/2005