A maior crítica que faço ao Ministério da Educação e ao Conselho Nacional de Educação é a criação inexplicável de precários estabelecimentos de ensino superior e de universidades fajutas nestes últimos anos, elevando-se para 544 o número dessas entidades entre novembro de 2001 e julho de 2003.
Trata-se predominantemente de instituições privadas constituídas tão-somente pela atração do lucro fácil que a implantação do ensino universitário tem propiciado, muito embora seja previsível o esgotamento dessa rendosa aplicação empresarial, tal o número de vagas ociosas que já ocorre nessa corrida postiça no mundo da cultura.
Se o Ministério da Educação e o Conselho Nacional de Educação houvessem sabido estancar esse maléfico fluxo educacional, teriam prestado o maior benefício à coletividade, abrindo campo para o desenvolvimento tão necessário dos ensinos fundamental e médio, dos quais o Brasil anda assustadoramente carecedor.
Deu-se entre nós uma inversão cultural, cujos perniciosos efeitos será dificílimo corrigir, a começar pela acabrunhadora deficiência do ensino fundamental, que, a meu ver, deveria ter como base essencial o município.
Nesse sentido, para atender às reais situações financeiras de nossas comunas, o magistério de 1.º grau devia ser reduzido a cinco anos, tempo mais do que suficiente, não digo para a mera alfabetização, mas sim para a formação intelectual e cívica de nossas crianças. Para tanto seria necessária a revisão de seu currículo, destinado a estabelecer as bases reais da cidadania, desde a efetiva aprendizagem da língua até os conhecimentos genéricos da ciência e das artes.
Aos Estados competiria a criação e manutenção das escolas públicas para o ensino médio, sendo obrigatória a freqüência nos três anos do ginásio, o qual já exige corpo docente especializado, que a grandíssima maioria de nossos municípios não está em condições de selecionar e remunerar condignamente. Seguir-se-iam mais três anos de colégio ou liceu, cuja finalidade já é atender a exigências profissionais, bem como ao preparo para a vida universitária. A atual organização do ensino fundamental em oito anos, copiada apressadamente de outras nações, torna-o de difícil implantação.
O 3º grau representaria, nessa estrutura piramidal do ensino, a realização superior das ciências e das técnicas, bem como a formação de uma cultura humanística à luz de ensinamentos sociológicos e históricos. A responsabilidade por tal ordem de estudos competiria à União e aos Estados dotados de maiores disponibilidades de recursos.
Se focalizo em novos termos a reestruturação geral do ensino no País é para situar, no seu devido espaço, o ensino superior, que não poderá deixar de ser atribuído também aos particulares, que têm por sinal demonstrado ter capacidade para atender a esse desideratum.
O que não compreendo é a extrema liberdade concedida à iniciativa privada para fundar instituições de ensino superior, as quais exigem pressupostos especiais, sejam corpo docente altamente preparado, com os títulos de mestre ou doutor outorgados por universidades à altura dessa responsabilidade; estrutura material correspondente às necessidades do aperfeiçoamento científico e técnico, que implicam a existência de bibliotecas especializadas, assim como dos laboratórios reclamados pelas pesquisas do mais elevado grau; e, finalmente, capacidade de prestação de serviços à comunidade, tanto no sentido da sabedoria como no da assistência social.
Pois bem, se analisarmos o atual cenário universitário brasileiro, encontraremos um quadro deveras decepcionante, no qual prevalecem os propósitos empresariais de lucro sobre os valores culturais, com a nociva criação de cursos superiores, cujos professores em geral sabem apenas uma aula mais do que os alunos... O resultado não poderia ser mais ruinoso, pois a sociedade contemporânea exige universidades tecnicamente constituídas, com o mais variado e efetivo preparo profissional como condição de emprego.
Ademais, há o grave problema da gratuidade do ensino superior oficial, cujo acesso é aberto de preferência aos estudantes mais abonados, adrede mais preparados pelas melhores escolas particulares e pelos especializados "cursinhos de vestibular", o que obriga os economicamente mais débeis a se sujeitarem ao ensino pago, cobrado por estabelecimentos privados da pior categoria.
O resultado não poderia ser pior, tendo sido cogitados os mais diversos expedientes para contornar a apontada barreira do concurso vestibular, um dos quais seria a destinação de certo número de vagas nas unidades públicas a candidatos formados em escolas oficiais por ministrarem preparo deficiente. Essa solução é a mais desastrada, porque a cultura não pode prescindir da classificação em razão do mérito. A reserva de cotas para os alunos negros, considerados vítimas de revoltante exclusão social, não deveria prevalecer, sendo preferível o sistema de bolsas de ensino a fim de evitar a criação de prejudicial precedente.
É imprescindível salientar que a medida justa seria o aperfeiçoamento do ensino médio oficial, destinando-se-lhe adequados recursos, com mestres bem remunerados, pois é nele que se encontra a verdadeira raiz da crise existente em nosso sistema educacional.
Já agora, como existe pletora de vagas nos cursos superiores irregularmente autorizados, é previsível ruinosa concorrência entre eles, tendo como conseqüência a expedição de diplomas que, na realidade, não corresponderão às exigências do atual mercado de trabalho.
Como se vê, o nosso desastrado processo de ensino culmina em grave dano de ordem econômica.
O Estado de São Paulo (São Paulo) 14/02/2004