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Cadê Mário?

 

RIO DE JANEIRO - Dois estudantes de direito, colegas na mesma faculdade, combinaram uma ida à gafieira mais famosa daquele final dos anos 20. Ficava na praça 11 e tinha nome enigmático: "Kananga do Japão". Era um perfume apreciado pelas mulheres que os jornais catalogavam como de "vida fácil".


Ali tocava piano o maior compositor da época, Sinhô. Os dois estudantes queriam escutá-lo. Um deles, Ary Barroso, seria o sucessor dele na história do samba. O outro, Mário Reis, seria o maior divulgador de sua música, entre outras, gravaria "Jura" -um dos maiores sambas de todos os tempos.


Os dois formariam uma das duplas mais representativas da Idade de Ouro de nossa música popular. Pode-se dizer que Mário gravou o último samba de Sinhô e o primeiro de Ary. E durante os anos 30, em que pese a atuação de grandes cantores, a voz dele e o jeito de cantar formaram a trilha musical da infância de um garoto de Lins de Vasconcelos.


Marcel Proust precisou sentir o gosto de um biscoito molhado no chá para buscar o tempo perdido. O menino de Lins de Vasconcelos ficou adulto. Uma tarde, dormiu com o rádio de cabeceira ligado. Acordou com a voz de Mário Reis cantando baixinho: "Você partiu, saudades me deixou, eu chorei..."


Talvez nem tenha acordado. Ficou pendurado naquela voz que lhe trouxe não o tempo perdido mas o tempo desperdiçado: "No grande teatro da vida vão levar mais uma vez a revista colossal, pierrô, arlequim, colombina vão a preços populares repetir o Carnaval". O pai não achava os preços tão populares assim, mas comprou os lança-perfumes que cheiravam a Mário Reis, só mais tarde cheirariam a mulheres.


Ele faria cem anos agora. Ficou sua voz perguntando: "Cadê Mimi?" E o garoto perguntando: Cadê Mário?


Folha de S. Paulo (SP) 3/1/2007