À medida que vão crescendo os indícios de que o presidente Bolsonaro chegará muito fragilizado à eleição presidencial do ano que vem, vão se multiplicando seus atos tresloucados. A CPI da Covid está chegando perto de uma possível negociata em torno da compra de vacinas e cloroquina, e Bolsonaro reage. É tresloucado um presidente da República de país democrático advertir publicamente que uma “convulsão social” poderá ocorrer se uma de suas vontades não for satisfeita, a aprovação do voto impresso.
Mais claro que isso, só a chantagem implícita na sua advertência. Bolsonaro não está preocupado com a “convulsão social”, mas está criando um clima político favorável a sua eclosão. Faz parte desse projeto de golpe a tentativa de desacreditar os meios de comunicação que não se curvam ao dinheiro do governo ou a suas ameaças.
Como não pode desmentir o êxito das manifestações oposicionistas em todo o país no sábado, Bolsonaro parte para a ignorância, enquanto financia com verbas da União nas redes sociais a disseminação de notícias falsas. Não há lógica em exigir que exista um papel registrando os votos de cada urna, quando já existem várias etapas de auditagem do voto eletrônico, como tem explicado exaustivamente o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Além de todas as sete etapas iniciais de checagem, em que diversas organizações representativas da sociedade civil são chamadas a acompanhar — OAB, universidades, Ministério Público, partidos políticos, Congresso —, existe uma oitava auditoria a que o processo eleitoral é submetido. Como o ministro Barroso explicou recentemente no Congresso, “ o que acontece se alguém quiser conferir os votos?”.
“Isso é possível e simples. Em 2003, foi criado o registro digital do voto (RDV), que preserva o voto digitado pelo eleitor na urna, sem violar o sigilo. O RDV é a versão digital da antiga urna de lona em que os votos eram depositados. Após a eleição, qualquer partido ou interessado pode solicitar ao TSE, no prazo de 100 (cem) dias, o registro digital do voto para fazer sua recontagem, de forma automatizada, com seus softwares particulares. Esse é, assim, mais um mecanismo de auditoria, que permite a contagem eletrônica de votos (o que evita erros humanos na contagem manual) e assegura que ninguém violará o sigilo do voto de cada eleitor. Se o partido quiser, pode até imprimir esse registro. Aliás, todos os arquivos gerados pela urna podem ser solicitados para conferência.”
Como se vê, já há um mecanismo para a checagem das urnas eletrônicas, só não há a possibilidade de fraudar a eleição como acontecia na época das cédulas de papel. O que o então presidente Donald Trump fez na eleição dos Estados Unidos, alegando uma falsa fraude na contagem dos votos, Bolsonaro faz antecipadamente, preparando sua “invasão ao Capitólio” caso perca a eleição.
A alegação de que é preciso armar a população para que ela se defenda de governantes ditatoriais vai ganhando configuração perigosa quando se vê o trabalho contínuo de Bolsonaro para desmoralizar as instituições, como o Supremo Tribunal Federal (STF), que podem barrar suas pretensões ilegítimas.
A partir da Constituição de 1988, tornou-se cláusula pétrea o voto “direto, secreto, universal e periódico”, o que significa que a aprovação do voto impresso seria impossível, mesmo que aprovado pelo Congresso.
Se a alegação para o registro em papel é a possibilidade de conferência da votação nas urnas, já existe o registro digital do voto. Se verdadeira a desconfiança de que o sistema de votação eletrônica pode ser adulterado, contra nosso conhecimento empírico de 25 anos, não há por que imaginar que uma tira de papel saída desse mesmo sistema não possa ser também adulterada.
Tudo são pretextos para o objetivo final, perpetuar-se no poder. Isso vindo de alguém que se elegeu, entre outras coisas que já abandonou, como o combate à corrupção, com a promessa de acabar com a reeleição.