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A burocracia madrinha da corrupção

 

Deparamos, no clima eleitoral que se aproxima, o fenômeno novo da burocratização das punições políticas, nitidamente a favor do situacionismo. A demora de seu desfecho aí está, frente às comissões parlamentares de inquérito, exaurindo a expectativa dos corretivos. Essa decepção, que corre paralelamente ao cansaço do protesto das ruas, gera um anticlímax crescente para qualquer virada do status quo.

As investigações se superpõem numa Torre de Babel, mas, sobretudo, instalam trincheiras de autoanulação de suas conclusões. E tal para cair nos valões das comissões de ética, nos quais os partidos acusados reorganizam as próprias fileiras para rechaçar as acusações e impugnar os alegados probatórios. Não se trata, apenas, de atentar à vagueza dessas conclusões, mas de aniquilar a memória, frente à criminalidade alegada, e esquecer toda cobrança. É como se a consciência coletiva, trazida às expectativas sumárias da opinião pública, se conformasse tão só com o moto contínuo perene das averiguações. Tal para, apenas, desembocar no dédalo das votações em plenário, após o resultado das comissões, esquecido o alarido dos primeiros dias. As lealdades partidárias, em geral, prevalecem mesmo diante do voto secreto e definitivo.

Claramente começam o jogo das incompatibilidades e suspeições e seu reflexo sobre o reforço das campanhas eleitorais. Já se esboça um enorme aranzel para os próximos inquéritos da Petrobras na batalha das relatorias, via de regra, no jogo chinês das contraposições de legenda.

Não há satisfações exemplares a exigir-se de denunciados, numa soma algébrica de governistas e opositores, no revide do mensalão mineiro e tucano aos imputados crimes do petismo. Uma simetria baixa sobre as imputações ao mau uso dos dinheiros públicos, como se se tratasse de uma tentação inevitável de gozo do poder-e, sobretudo, frente a um partido agora longevo no Planalto. Perguntar-se-ia, ao mesmo tempo, do quanto o nosso inconsciente coletivo indulge na tolerância com a corrupção de qualquer status quo. Em nossa tomada de consciência para a mudança pelo desenvolvimento, ela não vai, de saída, ao moralismo das classes médias instaladas, mas ao clamor pela justiça coletiva, e ao abate da nossa monstruosa desigualdade social.  

Jornal do Commercio(RJ), 18/4/2014