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A brasilidade de José Veríssimo

 

José Veríssimo foi o primeiro ocupante da cadeira n° 18 da Academia Brasileira de Letras. Foi jornalista militante, crítico severo, o Severíssimo, não poupou o sempre louvado Coelho Neto, e o seu Rei Negro; elegendo como “ex-libris” a inscrição Pelo Nome, procurou segui-la, não deixando sair-lhe fácil o elogio.


Para ele, a literatura brasileira era “a expressão de um pensamento e um sentimento que não se confundem mais com o português, e em forma que, apesar da comunidade da língua, não é mais inteiramente portuguesa.”


Em 1880, viajou pela Europa. Em Lisboa, tomando parte de um Congresso Literário Internacional, defendeu brilhantemente os escritores brasileiros, que vinham sendo severamente censurados, vítimas de injúrias feitas pelos interessados na permanência do livro brasileiro na retaguarda da literatura no Brasil. Voltou à Europa em 1889, indo tomar parte, em Paris, do X Congresso de Antropologia e Arqueologia Pré-Histórica, quando fez uma comunicação sobre o homem de Marajó e a antiga história da civilização amazônica. Sobre a rica Amazônia são também os ensaios sociológicos que escreveu nessa época, Cenas da vida amazônica (1886) e A Amazônia (1892).


Foi um prosador atento, objetivo na sua prática realista, ao fazer o registro das cenas da vida amazônica. Homem interessado nos problemas da educação brasileira, criticava a sobrecarga dos nossos programas escolares; batia-se por um ensino normal melhor e mais adequado; lutava contra o abuso de uma “erudição gramatical impertinente e, ao cabo, inútil”, e valorizava a aquisição lingüística por intermédio da leitura, da introjeção dos padrões da nossa língua, através do falar, do ouvir, do ler e do escrever; citava ainda o ensino prático das ciências, numa visível defesa do verdadeiro método científico.


Criada a pasta da educação pública, logo após a proclamação da República, o seu primeiro ministro, Benjamin Constant, procedeu a reforma do sistema geral de ensino público. José Veríssimo discutiu, no Jornal do Brasil do primeiro semestre de 1892, as reformas introduzidas, delas fazendo uma crítica magistral, que depois acresceu como Introdução da 2ª edição (1906) do seu livro A educação nacional. Não se deteve apenas nas enormes insuficiências da educação escolar como ele a conheceu e sentiu no seu Estado, o Pará; repassou, com límpida visão de sociólogo, muito da realidade de uma vida doméstica e social do Brasil daquele tempo, com os vícios que a corrompiam, e que o secular regime da escravidão havia arraigado profundamente nos nossos costumes.


José Veríssimo trabalhou no Pedagogium, criado pelo governo federal, em 1890. Sua lição inaugural, que recolho da Revista Brasileira, de 1° de junho de 1895, assim termina:


“Todos os países cultos dão à pedagogia, no seu ensino oficial ou particular um digno lugar. Nos Estados Unidos como na Alemanha, ela não é só ensinada nos estabelecimentos destinados especialmente ao preparo profissional dos mestres, mas professada nas universidades. A França, que a tinha já nas suas escolas normais, criou há poucos anos cadeiras de pedagogia nas suas faculdades de letras. E, se países tais – e de todos os países de alta cultura se poderia dizer a mesma coisa – possuem uma longa tradição pedagógica que têm como que derramada em seu ambiente a preocupação da educação e de seus métodos, julgam útil e proveitoso sistematizar nas escolas, nas faculdades e nas universidades a arte da educação, parece-me que errados andamos tratando-a nós, que nada daquilo temos, com a desconsideração com que a tratamos”.


O grande crítico literário queria com isso significar o seu apreço à prioridade da educação. Quando lhe perguntaram a partir de que momento se deveria cuidar da educação de uma criança, José Veríssimo repetia o pensamento de Emerson: “Cem anos antes do seu nascimento!”.


José Veríssimo constitui-se com Araripe Júnior e Sílvio Romero a trindade crítica da era naturalista, influenciada pelo evolucionismo e pela doutrina determinista de Taine; mas seus pontos de vista e processos eram diferentes. Araripe Júnior, mais independente intelectualmente, com mais sensibilidade artística e mais estilo, mostrou até onde ia sua ligação com Taine, de cuja doutrina aceitava mais o fator meio, diferentemente de Sílvio Romero, que enfatizou a raça e foi um metodizador e um inovador, ao aplicar as suas doutrinas científicas a muitos dos fatos da nossa literatura, coordenando-os sobre uma base de doutrina social e demonstrando o que existia de mais ou menos organicamente ativo no desenvolvimento da nossa história literária. A crítica de José Veríssimo, por sua vez, é caracterizada por um constante espírito de equilíbrio e de ordem, a que ele juntava, não raro, um pensamento filosófico e moral para enriquecê-la de uma autoridade maior, reforçando o crítico no educador.


Acima de tudo, ressalta da sua obra o cunho nacionalista, que ele procurou rastrear desde o início da literatura brasileira, na obra de poetas e ficcionistas nos quais soube detectar o sentimento da brasilidade. Foi ele que, ao seu tempo, chegou à mais íntima comunicação com o espírito e a obra de Machado de Assis, notando o quanto ele trazia, pelo romance, pelo conto, pela própria poesia, de original e único para a literatura brasileira.


O Estado do Maranhão (MA) 29/4/2008