Está no seu DNA, é crônico. Brasília não consegue viver sem crise. Mal se livra de uma, surge outra. O alívio às vezes é temporário, como aconteceu esta semana, quando parecia superado o episódio que envolveu o ministro Geddel Vieira, responsável pela renúncia de seu colega da Cultura, que o acusou de pressioná-lo para atender a interesses escusos. Apesar da grave denúncia, Geddel continuou merecendo a confiança do presidente e ainda recebeu um manifesto de apoio de líderes da base aliada no Congresso. Um final feliz, até que se tornou público o depoimento de Marcelo Calero à PF acusando o presidente Temer e o ministro Eliseu Padilha de o terem pressionado e “enquadrado” em favor do amigo e auxiliar de confiança.
Para piorar, desconfiado de que Calero tenha gravado a conversa, o presidente teria pedido a Geddel sua saída, o que acabou acontecendo ontem. Na carta de demissão, ele afirma que tomou a decisão “diante da dimensão das interpretações dadas e do sofrimento dos meus familiares”. Antes de conhecer o desfecho, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, se precipitara: “Esse Calero enlouqueceu”. Agora, a melhor maneira de saber quem de fato enlouqueceu é descobrir o que contém a suposta gravação.
Por algum tempo, o governo e a classe política puderam dormir mais tranquilos ao saber que ficou suspensa até segunda-feira a assinatura do acordo de colaboração dos 76 executivos da Odebrecht com a Operação Lava-Jato. Chamada de “mãe de todas as delações” ou de “operação do fim do mundo”, essa delação citaria mais de cem políticos como tendo recebido algum agrado em forma de propina da “mãe de todas as empreiteiras”. Pense em um deputado, senador, ministro, ex-ministro, presidente, ex-presidente, e ele pode estar nessa blacklist. A sensação é de que ninguém, ou quase ninguém, está a salvo.
Daí a mobilização dessa espécie de frente ampla parlamentar para combater os que combatem a corrupção, comandada no Senado por seu presidente, Renan Calheiros (12 inquéritos no STF), e pelo líder do governo, Romero Jucá (oito inquéritos no STF), o tal que já defendeu um “pacto para estancar a sangria”. A ofensiva se esconde atrás de vários disfarces, como a emenda que, na prática, segundo o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, visa a “anistiar a corrupção”, atingindo diretamente a Lava-Jato. Ele afirma que essas e outras iniciativas têm como objetivo criar um “salvo-conduto geral para corruptos de todo o país”.
Em poucas palavras, o alvo dessa escandalosa articulação tem um símbolo de quatro letras: Moro. Um atentado ao seu trabalho pode deixar não apenas Brasília, mas o Brasil em transe.