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Brasil e cinema

 

Já ouço o foguetório comemorativo de 2025. É o povo de todos os países do mundo celebrando desde já a chegada de um ano novo em seus lares. Não importa quem está no poder, se votamos neles ou não, se estamos de acordo com o tipo de sua dependência internacional, o que pensamos de sua ideologia ou de seu programa de governo, etc. e tal.

Importa é saber quem os representa e como vamos conviver com isso. Se vale ou não a pena estar submetido ao novo regime. E que novo regime é esse, afinal de contas.

Pois bem. Desde o golpe militar, a famosa “revolução” dos anos 1960, o Brasil sofre dessa incompreensão em relação a alguns de seus velhos chapinhas. E não me refiro apenas aos mesmos conflitos de sempre, mas a novas opções de nossos amigos eternos em relação a novidades que nem são tão novas assim.

É isso o que nos enlouquece! Como é que vamos orientar esses líderes diante de algumas das escolhas que fazemos se elas não têm nada a ver com o que os habituamos a entender do que pensamos sobre o nosso futuro? Como fazê-los raciocinar sobre tudo isso, sem prejudicar-lhes o sentido de sua própria história?

Por enquanto, vamos deixar isso tudo pra lá e tentar nos concentrar na versão popular do que fizemos de melhor. E esse “de melhor” não é muito diferente do que pensam e curtem os povos que vivem no resto do mundo.

No início do século, acompanhamos a onda documental que se fazia em todo o mundo. Nossos documentaristas, como Silvino Santos e Luiz Thomaz Reis, detinham enorme autonomia técnica e surpreendiam a todos com a originalidade de suas imagens, quase sempre nunca vistas. Essas imagens, “de rara beleza, compondo um Brasil nunca visto antes e que iria desaparecer necessariamente”, serviam para conhecermos a terra que já não seria a mesma.

A maior proeza de Silvino Santos, no entanto, foi saber estar à altura daquela mistura entre uma extração extrativista e a economia de exploração capitalista que se instalava então.

Aí começaram a surgir os filmes que de certo modo viajaram pelo mundo afora. Como, por exemplo, o famoso ou mais conhecido de todos os filmes do cineasta Hector Babenco, "Pixote, a lei do mais fraco”. Como é o caso também de “Bandido da Luz Vermelha”, de Rogério Sganzerla, ou ainda “O pagador de promessas”, de Anselmo Duarte.

Mas temos também o excepcional “Vidas secas”, de Nelson Pereira dos Santos, falecido em 2018, um dos pais do Cinema Novo, de quem ouvi o grande François Truffaut dizer que esse era um filme que justificava a existência do cinema. E, como não podia deixar de ser, o eterno Glauber Rocha, o melhor de todos nós. Com “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, estabelecemos nosso projeto e vamos entender o mundo de um jeito diferente do que era entendido até aqui.

Um dia, o que ouvi Truffaut dizer (e ainda escrever em seu artigo mensal sobre o cinema), a propósito de “Vidas secas” e de Nelson terá um reconhecimento geral e universal.

O Globo, 13/10/2024