A vertigem da crise já nos depara a exasperação de situações-limite, como da nova guinada da direção petista na reunião de 6 de agosto. Qual o perfil da legenda que vai à opinião pública diante dos crescentes questionamentos nacionais? O da purga proposta ao PT por Tarso Genro ou da ida à frente da estratégia do ''campo majoritário'' na opção de José Dirceu? O caminho adiante parece ser o da aposta na verossimilhança da versão da ausência de conhecimento da cúpula do partido nos pagamentos das caixas 2 de campanha e do ''mensalão''. Não há mais recuo no ''tudo ou nada'', em que insistirá a legenda fiada na sua credibilidade de fundo - avalizada pela biografia de Dirceu - frente aos incidentes de trajetória de erros e abusos para a conquista de maiorias parlamentares. E até onde, agora, o presidente se associou ao ex-chefe da Casa Civil no rumo dado ao confronto do PT com a crise?
O que está em causa é a confirmação da prospectiva subjacente ao depoimento de Dirceu na CPI dos Correios, não obstante um novo paradoxo. Persiste a renúncia ao seu mandato de deputado? Ou a nova estratégia é salvaguardá-la mantendo a capacidade política do petista, dissociando-se da vergonha do acordão em marcha, fazendo vista grossa sobre todos os acusados de arreglo de dívidas de campanha, o ainda deputado quereria escapar desta final desmoralização do Congresso nesta tolerância insuportável. Esta opção reflete a escolha do partido resultante do megaconfronto em que José Dirceu e Roberto Jefferson polarizaram as duas respostas à crise.
Na diversidade radical de estilos, os adversários não protagonizaram apenas dois Brasis, mas suas retóricas extremas, num gládio letal. O que estava em jogo, no lance aberto pelo ex-chefe da Casa Civil, a preço de seu passado, era o da própria sobrevivência da legenda do partido, a honrar o direito à credibilidade do país e o ''a que veio'' Lula. O presidente do PTB encarnava, no máximo da performance, a sobrevida da política de clientela e da cosanostra, como ''corrupção modernizada''.
O travo de anticlímax foi o de uma partida interrompida, não sem alçar a magnitude dos riscos do seu desfecho. O de Dirceu, no escrutínio decisivo, diante da opinião pública, da coerência de sua conduta pregressa como salvaguarda da nitidez de seu comportamento na Casa Civil.
Não se eximiu da culpabilidade da legenda, dos erros de conduta, nem de uma responsabilidade coletiva do PT, que ganhou a eleição e cuja chegada ao poder teve - na prática-prática, indiscutivelmente - o ex-chefe da Casa Civil como o seu responsável.
O desempenho, todo, das quase dez horas surgia como a continuação da lide, no seu estilo de operador de uma etapa política do país, muito mais do que de um ideólogo, ao empenho de lemas e frases de efeito.
Foi inclusive, nesse aspecto, limitada, senão precária, a resposta que deu ao colega de partido, Chico Alencar, que, em nome das vanguardas afogueadas da pureza dogmática, lhe pediu objetivos, e satisfações, pelos grandes horizontes da empreitada petista. Esse que escapa ao imaginário do Brasil ''bem'' que se condena o ex-chefe da Casa Civil, de princípio, como chefe de horda, de quadrilhas ou de aparelhos, Stalin ou Rasputin.
As novas perplexidades nascidas do imbróglio Portugal Telecom só reforçam as interrogações do relator Serraglio, da CPI dos Correios, quanto ao envolvimento de supersistemas negociais na empreitada.
Deparamos, nos depoimentos já colhidos, uma operação de ampla experiência e resultados na coisa pública brasileira. Seu usual a recomendaria à estrita imprudência de comandos intermédios de novos ricos do poder? Ou a impunidade no à-vontade de Valério é o de um megaesquema de controles empresariais, em que ''ter o governo no bolso'' vai a uma escala inédita, entre nós, em sua sofisticação e silêncio, de domínio do poder político pelo econômico?
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 10/08/2005