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Bôscoli, um lobo esperto

 

Foram muitos anos de convívio profissional e outros tantos de uma boa amizade. Estou me referindo a Ronaldo Bôscoli, um dos papas da Bossa Nova, com quem tive o privilégio de trabalhar na seção esportiva do jornal Última Hora e depois, a partir de outubro de 1995, na recém-criada Manchete Esportiva. Quando Adolpho Bloch levou Augusto Rodrigues e seus irmãos Nelson e Paulo para fazer a segunda publicação periódica de Bloch Editores, foi junto a equipe, da qual eu e o Bôscoli fazíamos parte.


Além de autor inspirado de músicas da Bossa Nova, como O barquinho e Lobo bobo, Ronaldo exercia, com a sua indesmentida criatividade, a profissão de repórter. Não tinha o melhor texto de publicação, era bastante relaxado em relação às regras gramaticais, mas tinha uma imaginação incomparável, capaz de dar títulos bastante originais às matérias e aos jogadores. Isso o diferenciava dos demais.


Uma das características dele era um certo desvio psicológico, que o impedia de andar sozinho. Tinha medo de tudo. Às vezes era o também compositor Chico Feitosa (Fim de noite) que o acompanhava até a redação. Faziam juntos o trajeto de Copacabana (Rua Otaviano Hudson) até a Frei Caneca no 511, sede da empresa. Ronaldo gastava quase todo o salário pegando táxi, na época um luxo. Não tinha condições de andar de ônibus (com medo da multidão). Em outras ocasiões quem o trazia – e depois levava – era o seu fiel amigo Edgard, que ele carinhosamente chamava de “minha alma preta”.


Os horários de trabalho eram uma permanente surpresa. Ronaldo vivia a noite, nem sempre acordava cedo, e muitas vezes faltava mesmo ao serviço, com desculpas as mais variadas. Reza a lenda que ele comprou um paletó velho e levou para a redação, pendurando o dito numa cadeira, de forma permanente. Quando o Adolpho Bloch fazia a ronda, para saber quem veio e quem faltou, havia sempre uma alma caridosa (muitas vezes era eu mesmo) para dizer ao velho russo que “o Ronaldo já tinha chegado, veja o paletó dele, deve ter ido tomar um café”. Até que um dia o esquema falhou. Não há crime perfeito. Estávamos todos na redação, e toca o telefone. Uma voz masculina pediu para falar com o “seu Adolpho”. Ele atende e fica perplexo, depois possesso. A voz, que era o Chico Feitosa, pedia desculpas ao chefe porque o Ronaldo tinha acordado naquela manhã com muita febre e não poderia comparecer ao trabalho. O Adolpho berrou no telefone:


– O que é isso? O Ronaldo está aqui na minha frente, queimado de sol, com mais saúde do que eu!


De um salto, o Bôscoli pegou o telefone e espinafrou o amigo: “Como é que você faz uma besteira dessas? Eu ia ficar doente amanhã”. Até o Adolpho riu da trapalhada.


Ronaldo era um tricolor doente, grande conquistador, namorou algumas das mulheres mais bonitas do Rio, incluindo Nara Leão, teve um caso sério com Elis Regina, outro com Maísa, e assim foi levando a vida, aconselhando sempre os amigos a não serem arrogantes com as mulheres: “Elas gostam de homens carentes!”. Quando fiquei noivo da Ruth, há 48 anos, foi ele quem me ajudou a comprar as alianças que até hoje adornam os nossos dedos. Em síntese, me trouxe felicidade.


Jornal do Brasil (RJ), 13/11/2009

Jornal do Brasil (RJ),, 13/11/2009