A poética universal acaba de ser enriquecida com os versos do hino oficial da Abin (Agência Brasileira de Inteligência). Embora repartição civil, está sendo militarizada aos poucos, como Jorge Zaverucha revelou em recente artigo. Tem até um hino marcial no qual se pode ler (e os interessados podem cantar) a seguinte estrofe:
"Salve! Salve! A nossa pátria brasileira!/ Orgulho temos nós em tê-la num altar/ Onde a inteligência como a que protegemos/ Por certo é um componente que a faz avançar". O estribilho não é menos altaneiro: "A Abin é a luz forte que dissipa a escuridão (...) aliada a seus parceiros de sistema/ É a linha invisível de defesa do Estado brasileiro".
Nos tempos do SNI, do DOI-Codi e de outras beneméritas instituições que foram "parceiras do sistema" então em vigor, a poética era melhor -porque simplesmente não existia, parece que não havia tempo para isso. Hoje há, embora a inteligência oficial nem consiga apurar se o presidente da República sabia ou não sabia do "mensalão".
Tenho o relatório que a Abin forneceu a meu advogado sobre minhas reprováveis atividades em certo período da ditadura militar. Há informações valiosas, como a de que sou proprietário de um hotel no Rio Grande do Sul e que, em determinado dia, pratiquei a subversão de assistir "A Hora e Vez de Augusto Matraga". Preciso apurar a primeira informação. Não me consta ser proprietário de nenhum hotel; a segunda informação é verdadeira, assisti várias vezes àquele filme, um dos melhores por sinal, o único que honrou a obra homônima de Guimarães Rosa.
O relatório também informa, a quem interessar possa, que fui coordenador do Molina (Movimento de Libertação Nacional), responsável por algumas bombas, certamente de fabricação caseira, e atentados terroristas com vítimas e danos materiais.
Dormirei mais tranqüilo agora, sabendo que a Abin, tal como diz o seu hino, é a "linha invisível de defesa do Estado brasileiro".
Folha de São Paulo (São Paulo) 11/1/2006