Só ficou espantado quem quis. A Coréia do Norte comunicou ao mundo, na semana passada, que já tem a sua bomba nuclear, fato mais ou menos previsto inclusive, e principalmente, pelos Estados Unidos. Mesmo assim, malharam o seu presidente, que fez o anúncio "em hora inoportuna" -segundo os especialistas em política internacional. E, por extensão, malharam o regime daquele país e o próprio país.
Acredito que, depois do que sucedeu ao Iraque e, em especial, a Saddam Hussein, a comunicação foi mais do que oportuna. Apesar da vigilância internacional da ONU, da CIA e das diversas Ongs pacifistas, a Coréia do Norte foi em frente, ao contrário do Iraque, que aprovou a fiscalização da ONU e mesmo assim foi invadido e continua ocupado por forças estrangeiras, embora esteja provada a sua inocência no quesito "armas de destruição de massa".
Antes que o país fosse invadido, trancafiado o seu presidente, a Coréia antecipou-se e deu o recado. É doloroso que a humanidade tenha chegado a esse ponto, mas chegou. Força se opõe com força. E, na era nuclear, a força não se limita a exércitos, divisões, arsenais sofisticados. Basta uma bombinha nuclear, umazinha só, para equilibrar a partida. O estrago feito nas torres do World Trade Center não pode ser comparado ao horror de uma bomba jogada no centro de Manhattan.
O exemplo da Coréia do Norte teve antecedente ilustre, que foi a bomba nuclear de Israel. Nenhum país pedirá licença a ninguém para ter acesso à tecnologia nuclear, seja para fins pacíficos, seja para outros fins. Por ora, a garantia do "fim pacífico" serve apenas de biombo para que todos coloquem suas barbas de molho.
A tecnologia nuclear criou um fato novo nas relações mundiais. O país que possui uma bomba atômica, mesmo que modesta, como a que destruiu Hiroshima, ganha status de potência. É intocável. Se o Iraque realmente possuísse uma, tudo teria sido diferente. Para pior, mas diferente.
Folha de São Paulo (São Paulo) 15/02/2005