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Bom começo de festa

 

A saudável febre das festas literárias que já contagiou várias cidades do país subiu finalmente a serra e chegou a Nova Friburgo no fim de semana passado com a primeira edição da Flinf. Foram três dias com mais de 60 atividades em sete espaços da cidade: mesas-redondas, palestras, exposições, contações de histórias, oficinas literárias, debates e música. Um impressionante sucesso, que contou com mais de 60 escritores, professores e profissionais do mercado editorial do local e de fora. O evento se deu o luxo de ter na plateia numa das sessões um romancista consagrado como Antônio Torres, a escritora Silvana Gontijo, o publicitário Lula Vieira e a mais nova revelação da crônica de costumes, Andréa Pachá, aquela mesma cujos casos são hoje atração do “Fantástico”. A mim coube o privilégio de participar de uma mesa com Tina Correia, autora de “Essa menina — De Paris a Paripiranga”, outra surpreendente revelação, só que da literatura memorialística. 

Foi uma viagem sentimental para quem, como eu, passou a infância e adolescência ali, numa época em que a cidade tinha 40 mil habitantes e era um deserto cultural — livro era um raro e precioso bem. Mas, ao lado de agradáveis novidades como a Festa Literária, essa nova visita ofereceu algumas dissonâncias traumáticas típicas das cidades médias do Brasil, que incharam mais do que cresceram, num processo “civilizatório” perverso que incorporou muitas das mazelas das metrópoles, como violência, desordem urbana, acidentes de trânsito, engarrafamento. A “parada de um caminho a caminho do céu”, cantada pelo poeta friburguense J.G. de Araújo Jorge, é hoje um município com mais de 180 mil habitantes e, segundo me informam, com quase um automóvel por morador. As distâncias que eu percorria a pé, numa boa, até porque não existia transporte coletivo, fiz agora motorizado, levando muito mais tempo. Acabou servindo como um tour ostentação de meus feitos juvenis para minha mulher, que ia ouvindo meu relato: “Aqui nesse prédio funcionava o laboratório de prótese dentária onde trabalhei como faxineiro. Ali, como balconista da Camisaria Friburgo. Um pouco mais adiante, fui entregador do Bar Alemão. Bem mais à frente, era contínuo da agência do Banco Barra do Piraí”. 

Apesar dos problemas, Friburgo continua com irresistível charme. Encontrei várias pessoas, inclusive jovens, que tinham voltado, trocando o Rio pela cidade e empreendendo em várias áreas. Uma delas, a coleguinha Maria Fernanda Macedo, foi quem organizou, com Márcia Lobosco e Thiago Mello, a Flinf, que, posso afirmar sem bairrismo, não podia ter começado melhor.

O Globo, 19/10/2016