O cineasta Woody Allen reproduziu em seu filme “Bananas” um episódio inusitado que aconteceu durante o congresso estudantil clandestino realizado em Ibiúna, no interior de São Paulo, em outubro de 1968, em plena ditadura militar. Eram mais de mil estudantes, que precisavam comer. A compra de centenas de pães na cidadezinha mais próxima acabou revelando o local da reunião da UNE, e todos foram presos.
Na versão de Woody Allen, guerrilheiros que se escondiam na selva foram denunciados porque compraram centenas de sanduíches, sendo um sem picles. O golpe de Estado com data marcada, uma esquisitice de Bolsonaro, poderia fazer parte de um enredo cômico do mesmo quilate. As faixas em inglês com a defesa do fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) foram o toque surreal da manifestação da Avenida Paulista, para que o mundo se convença de que o povo brasileiro, além de falar inglês, apoia o golpe.
Mesmo tendo tido menos gente nas ruas do que o governo previu — Bolsonaro chegou a falar em dois milhões de pessoas —, as manifestações em todo o país, principalmente em São Paulo e Brasília, tiveram muita gente, mas nada que surpreendesse, já que as pesquisas de opinião mostram que, dos pouco mais de 55% que o elegeram em 2018, Bolsonaro ainda mantém hoje cerca de 25%. O caráter claramente golpista foi reforçado pelo próprio presidente da República, que, em seu discurso, deu um ultimato ao presidente do STF, Luiz Fux, para enquadrar os ministros Alexandre Moraes e Luís Roberto Barroso, ou pedir para sair.
Na verdade, Bolsonaro faz exatamente o que acusa o STF de fazer: vai contra a Constituição, contra os outros Poderes, e se não aceitar o sistema de pesos e contrapesos da democracia, tem que pedir para sair. O presidente do PSDB, Bruno Araújo, já convocou uma reunião para começar a analisar um pedido de impeachment de Bolsonaro. O mesmo está acontecendo em vários outros partidos, mesmo do Centrão. O presidente da Câmara, Artur Lira, manteve-se em silêncio obsequioso durante o dia . Deve estar tentando entender para onde o vento sopra. Bolsonaro está criando um clima político favorável ao seu impeachment.