A presença do presidente Bolsonaro em uma formatura em média por mês de militares membros das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) e das polícias Militar, Federal e Rodoviária Federal nos primeiros dois anos de seu governo, ressaltada em uma reportagem recente do GLOBO, corrobora um estudo do especialista Adriano de Freixo, professor do Departamento de Estudos Estratégicos e Relações Internacionais do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (Inest-UFF) intitulado “Os militares e o governo Bolsonaro, entre o anticomunismo e a busca pelo protagonismo” das Edições Zazie, na coleção “Pequena biblioteca de ensaios”. Nele, analisando a influência de Bolsonaro entre os militares, ele destaca que “uma variável que não deve ser ignorada nessa conjuntura é a “bolsonarização” dos estratos inferiores da corporação, mesmo que não se vislumbre no horizonte próximo a possibilidade de quebra de hierarquia militar”.
Outro processo de “bolsonarização” que começa a se tornar motivo de preocupação, para o professor da UFF, é o das polícias militares estaduais, definidas na Constituição como forças auxiliares e reservas do Exército. “Esse fenômeno ficou explicitado na greve de policiais no Ceará, nos primeiros meses de 2020, e no tratamento diferenciado dado pela Polícia Militar a manifestantes contra e pró-governo em diversos estados”.
A possibilidade de rebeliões pontuais contra ordens de governadores da oposição começa a aparecer no horizonte, analisa Freixo, advertindo que essa posição “poderia gerar a necessidade de utilização das Forças Armadas para contê-las. Dentro do atual contexto, isso poderia se tornar um forte elemento de instabilidade, inclusive pela imprevisibilidade do comportamento do presidente e da reação das Forças Armadas em uma questão como essa”.
O autor considera que “o quadro se torna mais complicado quando se leva em consideração a simbiose que existe em diversos estados da Federação entre parte das corporações policiais e forças parapoliciais, as chamadas “milícias” – que no Rio de Janeiro, por exemplo, já têm o controle efetivo de vastos territórios –, e os crescentes indícios de ligação entre elas e figuras relevantes do entorno de Jair Bolsonaro”.
O professor Adriano de Freixo chama de “caixa-preta” a educação militar, definindo que “mais que locais de formação técnica e de preparação para o exercício das funções castrenses, as escolas militares são importantes espaços de socialização e transmissão dos valores institucionais aos futuros oficiais”. Esse processo se dá, diz o professor, “não somente pelas disciplinas que compõem os currículos das academias, mas também pela convivência com os professores e oficiais pertencentes a gerações anteriores, que, na prática, funcionam como responsáveis pela moldagem e consolidação da identidade institucional dos jovens cadetes”.
Nos últimos anos, o recrudescimento do conservadorismo acabou, na análise de Adriano de Freixo, por revigorar o anticomunismo no interior das Forças Armadas, “agora travestido de crítica ao “marxismo cultural e às “estratégias gramscistas” que estariam sendo implementadas pela esquerda brasileira desde o início do processo de redemocratização”.
A ampliação dos atritos entre o presidente e o vice-presidente da República, e as declarações do comandante do Exército, general Edson Pujol, de que os “militares não querem fazer parte da política, nem querem política dos quartéis”, têm sido entendidas por muitos como sinais de tensionamento da relação entre Bolsonaro e a oficialidade superior, traduzindo a insatisfação desta última com o uso político que o presidente tem feito das Forças Armadas. Mas Adriano de Freixo lembra que esses eventos também podem ser entendidos como sinais de que a “bolsonarização” dos quartéis começa a se tornar, de fato, motivo de preocupação para os oficiais-generais, pelos desdobramentos imprevisíveis desse fenômeno, que pode levar, inclusive, a cisões no interior da instituição militar.