Semana passada, no canal espanhol da NET, assisti a nutrido documentário sobre a atual situação do Brasil, com numerosos depoimentos de nossos políticos, intelectuais, artistas e assemelhados. Excelente trabalho profissional da equipe que a TV espanhola nos mandou e, em linhas gerais, os depoentes deram conta do recado, uns mais, outros menos, com análises sinceras e, dentro do possível, patrioticamente possíveis.
O desastre ficou por conta dos que tentaram falar em espanhol. Mesmo os que tiveram e ainda têm bom tráfego internacional, que moraram em países de fala hispânica, que se consideram fluentes no idioma de Cervantes e Maradona, volta e meia apelavam para o mais escrachante portunhol, limitando-se às alterações da prosódia que aqui e ali dão a impressão de que se fala uma língua diferente da nossa. Basta que se diga, de vez em quando, "democrácia" em vez de democracia e o depoente adquire um tom de intimidade com a língua de "nuestros hermanos".
Até a turma fluente em inglês e francês (dou o exemplo de FHC e de alguns diplomatas), quando enfrentam o espanhol, pela semelhança vocabular e gramatical, resvalam para o portunhol deslavado. Imagino o presidente Lula, assumidamente monoglota, quando tenta se comunicar com seus amigos Chávez e Fidel.
De minha parte, posso me meter a falar sânscrito, indo-europeu, mas jamais o portunhol. Em feiras de livros e faculdades, já cometi palestras em Barcelona, Guadalajara, Havana e Buenos Aires. Proclamando meu respeito à língua de Unamuno, Lorca, Calderón e Chico Recarey, entro direto no português e vou em frente.
Nem tenho condições de apelar para o portunhol. Com certeza absoluta, só sei três palavras no nobilíssimo idioma de São João de la Cruz: "teléfono", "micrófono" e "sin embargo". Sei também algumas letras de boleros e tangos. Não dá nem para a saída.
Folha de São Paulo (São Paulo) 17/10/2005