Se há duas coisas que me empolgam são o futebol e a língua portuguesa. Elas se fundem e se completam na transmissão dos jogos pela televisão. Rara a semana em que não vibro com alguma contribuição à língua pelos narradores e comentaristas —e estou falando sério. O futebol é um universo dinâmico, em permanente expansão, o que obriga os profissionais do microfone a complexos malabarismos imagéticos para fazer jus a ele.
Dois desses malabarismos, hoje em vasto uso, se referem à bola. Ou ela beija a trave ou vai morrer na bochecha da rede. A imagem do beijo na trave poderia ter saído do grande Augusto dos Anjos. Quanto à bochecha da rede, imagino que, se existe, implicará também a existência de uma gengiva, úvula ou amígdala da rede. O mesmo quanto à classificação dos clubes por prateleiras —alguns estão na primeira prateleira, como se fossem potes de chás e biscoitos, outros na segunda, a do cominho e do orégano. E quando ouço falar em camisas pesadas, já sei agora que são as cheias de títulos, não as empapadas de suor.
O mesmo quanto aos jogadores frescos, uma obsessão dos treinadores portugueses por aqui. São os jogadores descansados, claro. E o tapa na bola? Deveria ser privilégio dos goleiros, os únicos a jogar com a mão. Mas qualquer jogador de linha pode dar um tapa na bola sem ser punido pelo juiz. E, ao ouvir falar em pressão alta, aprendi que não se refere a uma hipertensão de 15 por 10, mas à marcação na saída da bola.
O que mais tenho admirado, no entanto, é o criativo uso da palavra valência para definir esta ou aquela qualidade de um jogador. Imagino que dela tenham saído as novas definições de funções em campo: a volância, referente aos volantes, e a centroavância, aos centroavantes.
Donde modestamente sugiro a adoção também de defência, relativo à defesa, e atacância, ao ataque. E por que não impedimência e penalticância?