Não admiro Lula como presidente, mas como pessoa competente, no sentido de que é capaz de competir, mesmo perdendo, como perdeu três eleições presidenciais. Daí a estranheza de sua recente declaração: só competirá na próxima eleição presidencial se for para ganhar.
Traduzindo: ele que foi mestre em entrar nas bolas divididas, só entrará no lance se tiver certeza de que vai ser o dono da dita. Não parece, mas é uma pretensão perigosa e que desde já coloca o ano eleitoral de 2006 sob suspeição. Não havendo nenhum fato novo que o incrimine irremediavelmente (incriminado ele está, mas a possibilidade de um impeachment é remota), teremos Lula na Presidência durante a campanha eleitoral em que ele vai entrar tendo a certeza de que vai vencer.
Mesmo que cumpra a regra do jogo, não usando o cargo para obter vantagens, terá a seu favor o duplo papel que desempenhará na campanha eleitoral: o de candidato e o de presidente da República, o que sempre acontece nos países em que a Constituição admite a reeleição sem abandono prévio dos cargos.
Fará comícios específicos, ao lado de seus correligionários, podendo percorrer o país de ponta a ponta nos palanques do PT e de seus aliados, prometendo mundos e fundos para o próximo mandato. Os custos da campanha, pelo menos em hipótese, serão examinados pela Justiça Eleitoral.
Despindo a roupa amarfanhada de candidato, como presidente da República ele fará mais ou menos a mesma coisa, elogiando a si mesmo, como vem fazendo desde que tomou posse. Não gastará um tostão para ir inaugurar o novo equipamento de uma multinacional em São Paulo ou o novo pavilhão de uma penitenciária em Roraima que começou a ser construída por outra administração.
Com tanta e tamanha vantagem, só mesmo uma incompetência colossal não dará certo. Ele promete competir de uma forma estranha: desde que não haja competição possível.
Folha de São Paulo (São Paulo) 19/12/2005