Do jeito que as coisas vão, tudo indica que o eleitor que não é fanático por Lula nem Bolsonaro terá que enfrentar dilemas éticos e políticos na escolha de seu voto, até mesmo na decisão de anular ou votar em branco. Como o que conta para definir a vitória é ter 50% mais um dos votos válidos, o eleitor que invalidar seu voto estará permitindo que o vencedor precise de menos votos para se eleger.
Como diz o jargão das pesquisas eleitorais, 'a boca do jacaré está fechando', isto é, a diferença entre Lula e Bolsonaro está diminuindo desde o início da campanha, é possível que a reta final desencadeie nos eleitores um dilema que será explorado pelos candidatos. Dar uma vitória ao ex-presidente no primeiro turno seria uma resposta contundente contra Bolsonaro, mas também dar um cheque em branco a Lula.
Se ele hoje se proclama inocentado pela Justiça sem que isso tenha acontecido, o que não poderá dizer depois de eleito num primeiro turno, o que nunca aconteceu desde que disputa eleições para presidente em 1989? Essa concessão popular poderá desencadear uma sensação de invencibilidade, que leve a que um terceiro governo Lula possa ser mais marcado pelo autoritarismo de quem se verá como o salvador da pátria, que volta nos braços do povo.
Diz-se que Lula é maior do que o PT, o que é verdade, mas só quando quer. A máquina petista é azeitada para boicotar os intrusos que entram em seus domínios, como aconteceu com Henrique Meirelles no Banco Central e diversos economistas ligados aos tucanos que Antonio Palocci foi buscar para dar consistência à política econômica do primeiro governo Lula. Levar a eleição para o segundo turno pode obrigar o PT a aceitar um acordo mais amplo. Um 'estrangeiro' como Geraldo Alckmin não conseguiria fazer um movimento para o centro tão forte, e dificilmente terá uma função importante num eventual Ministério.
Além do mais, Alckmin está exagerando tanto na sua conversão que, após ouvir a Internacional Socialistas em corar, foi para a televisão dizer que quando se referem às suas críticas anteriores à corrupção do governo petista, querem confundir o eleitorado. Ele hoje diz que foi enganado pela Lava-Jato e que ficou provado que Lula não tinha culpa de nada.
Não é verdade, os eventuais erros da Operação Lava-Jato não invalidaram as acusações de corrupção no governo petista, como aliás Lula já admitiu, e também não inocentaram o ex-presidente de nada. Considerar o ex-juiz Sersgio Moro parcial e mudar o local do julgamento fez apenas com que os processos recomeçassem do zero, sem tratar do mérito. Muitos foram arquivados, por decurso de prazo, com base na decisão do STF, poucos por falta de provas.
A outra razão para votar em Lula logo no primeiro turno seria impedir que, indo para o segundo turno, Bolsonaro explicite uma realidade que as pesquisas estão mostrando: a extrema-direita brasileira pode chegar aos 40% dos votos, com a ajuda do centro, o que é muito. O PSDB passou anos, até 2014, representando esses 40% do eleitorado, e quase ganhou com Aécio Neves. Só não persistiu como uma segunda força política no país porque não tinha um grande líder para guiar o partido, como Lula faz com o PT e Brizola fazia como PDT.
Fernando Henrique, eleito duas vezes no primeiro turno derrotando Lula, não tinha esse talento, nem queria ter. Se políticos como Sérgio Motta ou Luiz Eduardo Magalhães não tivessem morrido, esse legado tucano poderia estar vivo até hoje. Um partido de muitos caciques acabou se desvirtuando e perdendo a força. Bolsonaro, apesar de inexplicavelmente não ter conseguido formar seu próprio partido - talvez porque não acredite em partidos, como bem lembrou o Demétrio Magnoli -, continuará dominando esse eleitorado de centro-direita que se posiciona contra o petismo.
O Elio Gaspari já relembrou outro dia o sarcasmo de Marco Maciel ao receber a informação de seu marqueteiro de que a distância entre o seu candidato e o adversário estava se estreitando, e as linhas se cruzariam em algum ponto: 'Antes ou depois da eleição?'. Bolsonaro está na mesma situação, e levar para o segundo turno é sua última chance de tentar uma reversão que a História mostra ser improvável. Fernando Henrique em 1998 dormiu na noite da reeleição preocupado com o crescimento de Lula, temia que um segundo turno pudesse mudar o quadro. Ganhou com 53% dos votos.
Nunca quem venceu o primeiro turno presidencial perdeu, garantem os pesquisadores. Mas há exemplos regionais, como a formidável reviravolta na campanha de 1995. O candidato Hélio Costa venceu o primeiro turno com 48, 8% dos votos, e Eduardo Azeredo reverteu o resultado no segundo turno, tornando-se governador mineiro. Os eleitores decidirão.
O PSDB não persistiu como uma segunda força política no país porque não tinha um grande líder para guiar o partido.