Nas análises dos especialistas em mediação de conflitos da Polícia Federal, o PT usou o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC como um bunker para proteger o ex-presidente Lula, e militantes como barreiras humanas para impedir uma ação policial sem incidentes graves.
Na verdade, há a avaliação de que, ao se recusar a apresentar-se em Curitiba às 17 horas de ontem, e dizer num primeiro momento que Lula não se entregaria, a estratégia do PT beirou a irresponsabilidade, buscando uma ação violenta, possivelmente um conflito grave que pudesse ser utilizado como base para uma acusação de ação desproporcional do Estado repressor.
Um cadáver produzido por um conflito de tal gravidade seria o detonador de uma crise institucional dificilmente superável. Essa estratégia de teor insurgente foi esvaziada pela atitude tolerante da Polícia Federal, que tinha o mandado para operacionalizar a prisão vencido o prazo concedido.
Para conseguir tal objetivo, a Polícia Federal e o próprio Juiz Sérgio Moro, que autorizou o início do cumprimento da pena, correram o risco de passar à sociedade uma imagem de fraqueza diante do ex-presidente condenado, para evitar uma tragédia que talvez fosse ansiada por uma militância mais radical, que acabou ganhando aparentemente a queda de braço. Moro chegou a pensar em decretar a prisão preventiva de Lula, o que impediria o ex-presidente de se beneficiar caso o STF mude a jurisprudência, proibindo a prisão em segunda instância. Dependendo do desenrolar da situação hoje, não está descartada a possibilidade.
Aparentemente porque, na verdade, o que acontecia nos bastidores era uma frenética negociação entre emissários do PT e da Polícia Federal, o que descaracteriza a possibilidade de confronto e estabelece a aceitação, por parte dos representantes legais de Lula, das regras do jogo democrático. Ao mesmo tempo, os advogados do ex-presidente usavam os instrumentos de nosso sistema judicial para tentar recursos nos tribunais superiores, o que também confirma que, embora denunciem aos quatro ventos ilegalidades, cumprem as regras democráticas na defesa do condenado.
Foi dada a Lula a possibilidade de fazer uma figuração de resistência para os militantes petistas, ao mesmo tempo em que a Polícia Federal evitava sabiamente alimentar a radicalização dessa mesma militância com uma ação mais violenta.
O retorno ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, de onde surgiu sua liderança sindical que gerou o Partido dos Trabalhadores na década de 1980, proporcionou a Lula a chance de repetir as técnicas que fizeram sua fama de negociador como líder sindical.
São frequentes os relatos de Lula negociando soluções com empresários para greves em reuniões regadas a uísque que resultavam muitas vezes em acordos combinados com os patrões que pareciam ter sido tirados a muito custo e pressão do líder popular.
Foi o que aconteceu ontem. Lá dentro do seu bunker, Lula negociava com a Polícia Federal, mas passava a idéia à militância do lado de fora de que resistiria. Muitas idas e vindas, como as ameaças de enfrentamentos, eram divulgadas para consumo da platéia dos convertidos, sem que fossem endereçadas diretamente à Polícia Federal.
O problema maior dessa situação é que o ex-presidente Lula passou inicialmente a idéia de que a lei não é para ele, uma sensação de onipotência que quer transmitir a seus militantes, como ressaltou o procurador Mauricio Gotardo Gerum no documento em que pede a prisão imediata de Lula ao TRF-4. Embora sob sigilo, sabe-se que o documento entregue da quinta-feira justificava a urgência para a publicação da ordem de prisão dizendo que o condenado tem uma “sensação de onipotência” e que não prendê-lo com urgência semearia o “descrédito no Poder Judiciário”.
Esse é o risco que a Polícia Federal e o Juiz Sérgio Moro correram ontem com a atitude benevolente diante de um condenado que se negou a cumprir uma ordem de prisão sob o manto de negociações. Na verdade, Lula e seus advogados nunca afirmaram que se recusariam a aceitar a decisão do Juiz Sérgio Moro, embora essa fosse a palavra de ordem de seus militantes.
Sob a alegação de que preferia ficar em São Paulo, ou que precisava ir à missa em memória de Dona Mariza, Lula explicitou para seu público externo uma força que ele já não tem, pois nunca esteve em dúvida que se entregaria. Queria apenas forjar imagens para futuras narrativas épicas que devem rechear a propaganda de seu avatar eleitoral.
Resta saber se a arrogância do ex-presidente será rejeitada pelos não convertidos, resultando, caso isso aconteça, em mais um desgaste para o líder político Lula.