Se não é estranho ouvir, depois da vitória da seleção brasileira, uma batucada à meia-noite na praça Pushkin, muito menos ainda na Praça Vermelha, onde os torcedores de todo o mundo se reúnem após cada jogo em perfeita harmonia, não é banal ver duas moças andando a cavalo à mesma hora pelas ruas de Moscou, tranquilamente esperando o sinal abrir. A praça Pushkin é uma das muitas homenagens ao poeta Alexandre Pushkin, considerado o fundador da moderna literatura russa.
Mas esta cidade cosmopolita, um centro urbano onde tudo pode acontecer sem chamar a atenção, como nas grandes cidades do mundo, convive perfeitamente com uma festa grandiosa como a Copa do Mundo sem perturbar a rotina excêntrica das amazonas russas com que cruzei no caminho de volta do estádio Spartak, num metrô superlotado, mas funcionando impecavelmente, com a entrada livre para os torcedores.
Tudo em Moscou funciona perfeitamente, com exceção dos táxis que se pegam na rua. Mas se o turista pedir um táxi por um dos muitos aplicativos tipo Uber que existem por aqui, tudo sai a contento. Se politicamente a Rússia é hoje mais oriental que ocidental, como avalia o especialista Dmitri Trenin, diretor do Carnegie Moscow Center, Moscou e as grandes cidades russas como São Petersburgo são tão ocidentais quanto poderiam ser.
Na avaliação de Trenin, a nova confrontação da Rússia com as grandes potências nada tem a ver com a guerra fria, seria uma “guerra híbrida”, não ideológica, nem geográfica, tanto que a proximidade com a China, de quem Trenin diz que os russos nunca serão amigos próximos, mas jamais serão inimigos, não impede que as relações com os Estados Unidos sejam importantes, como demonstra a próxima cúpula entre os dois países.
A Copa do Mundo tem seu sabor político para Putin, e ele e a FIFA devem estar dando graças pelo Brasil ter passado para as oitavas de final, depois da desclassificação da Alemanha. A seleção brasileira não é ainda a dos sonhos dos torcedores, mas já evoca a música ufanista que diz que “o campeão voltou”. E os torcedores brasileiros, fora aquela minoria que já foi repudiada, chamam a atenção pela alegria.
Vários russos com quem conversei têm o desejo de ver uma final da Copa entre Brasil e Rússia. O problema é que a seleção brasileira ainda está em evolução, e a Rússia pega logo de cara a Espanha nas oitavas de final. Vamos ver na próxima estação, na cidade de Samara, se o time brasileiro justifica o favoritismo.
Simbolismo não falta para que a seleção alcance o infinito. A cidade, localizada às margens do rio Volga, é o mais importante centro aeroespacial da Rússia, foi fechada a estrangeiros durante a II Guerra Mundial para que seus segredos não fossem revelados. E transformou-se na capital alternativa da União Soviética quando Moscou foi invadida pelos alemães.
A administração do Kremlin, assim como sua liderança politica, transferiu-se para Samara, e hoje uma das atrações da cidade é o bunker usado por Stálin durante a Grande Guerra Patriótica, como os russos se referem até hoje à Segunda Guerra Mundial.
Samara é reconhecida como um dos principais centros internacionais científicos, mas é também um grande centro industrial e de transporte na Rússia, com a fábrica central da principal indústria russa de automóveis, a Lada.
Nela está construído um monumento em homenagem ao astronauta Yuri Gagarin, primeiro homem a viajar pelo espaço no foguete Soyuz em 1961. O Museu Cósmico de Samara e a Universidade Aeroespacial contam a história russa no espaço.
A partir da Copa do Mundo, a cidade de Samara será também conhecida como uma das mais extravagantes decisões politicas do governo Putin, pois o novo estádio, que vai ser palco do jogo do Brasil contra o México, em nada se justifica, a não ser para que a cidade pudesse ser uma das sedes do mundial de futebol, pela sua importância histórica. O FC Krylia, da segunda divisão russa, o time da cidade, de 1,1 milhão de habitantes, definitivamente não tem torcida para enchê-lo.