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Bahia e o humanismo em nossa imprensa

 

O corte biográfico, todo, de Luiz Alberto Bahia é regido pela evolução mesma do nosso jornalismo, dentro da maturação da cultura brasileira. Na formação do meio século, pouco presente, ainda, a universidade, o jornalismo puro condicionou o jogo de nossas idéias políticas, e a nossa modelagem institucional. A trajetória do pensador combatente que ora perdemos é a dessas matrizes do país que saiu do establishment. Formado no Santo Inácio, exposto ao pendor natural pelo curso de direito, interrompeu-o para dedicar-se a imprensa. Seduziu-o o trato direto com a opinião pública, cujas vozes audíveis passavam por sobre os rigores do scholar, para responder ao sentido de participação no seu tempo.


O intelectual prescindia logo do especialista, no desejo de intervir na realidade à sua volta, numa angústia do pensador sem concessões. Suas seriam, tanto a palavra da hora quanto a reflexão continuada, múltipla, sem receios das guinadas pedidas por esse humanismo tumultuado, das acelerações da história; das denúncias da ideologia e da busca de uma ética efetiva da informação para a complexidade do nosso tempo. Sobretudo aguilhoada pelo excesso de choques, e de quem, como ele, na maturidade esplêndida do último meio século, viveu a explosão da bomba; o holocausto, a queda do Muro, e a derrubada do World Trade Center.


Saiu do catolicismo clássico para o socialismo mais radical, na proposta da Vanguarda Socialista de Mario Pedrosa. Foi, a seguir, aos extremos da crítica marxista, e ao contraponto de Sartre, ou de Bobbio, para encontrar-se, como possível conciliação de sua exigência da vida do espírito com o estudo ávido de Teilhard de Chardin. Passou pela experiência do kardecismo, que não poupava às interrogações mais exigentes da modernidade.


O desbordamento do jornalista não era, pois, o da memória do momento, ou do traço da conjuntura, mas o de uma conseqüência da reflexão, encontrável em tão poucos profissionais do flagrante da hora, frente a uma leitura de sentido mais amplo, diante desses deveres da consciência, no quadro de um processo político que rompia com o país instalado. Entendia que o estatuto das liberdades seria um primeiro indicador da mudança, e interrogava-se sobre o desenvolvimento, e o arranco das instituições democráticas em suas primeiras contradições. É a palavra combatente sem nenhuma concessão à veemência, em nome do rigor da visão humanística, que lhe dá o grande estilo, próprio das verdades maiores, reconhecível em qualquer de seus editoriais anônimos, como o discurso da convicção.


A análise de Bahia, sem concessões ao anedótico, ou ao facilitário do pensamento rematou o texto de fundo, formador da nossa consciência coletiva, antes da dispersão do jornal para o espetáculo mediático, ou o "tête-à-tête" digital. Só crescia a visão maior do pensamento nas últimas décadas desse seu ethos específico, temperado no jornalismo quixotesco da belle epoque, quando Paulo Bittencourt fez Bahia redator-chefe do "Correio da Manhã". Respondeu ao panache do jornal, e os seus espadachins, em que a cultura liberal criou o protesto, o suelto, o editorial de abate, o clima de rufar de tambores em surdina, em que a República, antes da sociedade de massas, tornava a tertúlia política a segunda natureza do exercício do poder.


Todas as frases de mármore de Bahia estão ligadas ao estro do libertarismo intemporal; do manter-se em riste contra o assalto permanente do aparelho, apontando as brechas do sistema como um começo de mudança social, quebradiço, teimoso. Da chusma de editoriais, e artigos decorreria o larguíssimo da partitura que pôde decompor nos seus livros, e ao mais largo horizonte do intelectual "O Fenômeno Divino"; "A Dimensão Injusta" - "Bases para a Revolução Igualitária"; "Soberania, Guerra e Paz". O jornalista inquieto procurava a melhor fonte internacional passando, ao longo da carreira, de responsável pelas notícias da BBC durante a guerra no Brasil, à rigorosa reflexão universitária, num biênio em Cambridge. O chamado do seu tempo, por outro lado, não poderia escapar à ação de governo, e nele, diante da crise das instituições, para servir aos retornos democráticos. Assumiu a Chefia da Casa Civil de Negrão de Lima diante de toda a ira lacerdista.


No Conselho no BNDE, e do Ministério da Fazenda, levou a um plano crítico de decisões, a visão desta prática social brasileira, ao respaldar uma efetiva política de desenvolvimento para o país. A chegada ao primeiro Tribunal de Contas do Município rematava a carreira pública, permitindo ao mesmo tempo à Bahia, no seu remanso de Paquetá, o fecho desta larga mirada sobre o seu tempo, a que se entregava com a segurança do percurso feito, à face do inimigo e a pressão dos aparelhos, ou a facilidade da crítica das utopias.


Nosso Bahia, do último qüinqüênio, é o dessa agilidade permanente da pergunta, da absoluta falta de qualquer concessão ao resignar-se aos fatos consumados, em nome de um pseudomaquiavelismo político; ao dito razoável contra o efetivamente possível. Sem transigir sobre o último horizonte, a presença perene do jornalista é a de um questionamento feito sempre vigília, de uma curiosidade que não desaguou no "tudo-bem" ou, sobretudo, deste humanismo que acolhe porque combate, quando a verdade não se faz retórica, tanto se mantém, como a de Luiz Alberto Bahia, a disciplina da primeira vigília.


 


Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 09/12/2005

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), 09/12/2005