Desde 2005, quando O GLOBO denunciou o surgimento das milícias formadas por policiais, bombeiros e agentes penitenciários, o antropólogo Luiz Eduardo Soares vem insistindo, sem ser ouvido, na tese de que elas são mais perniciosas do que o tráfico, cujo modelo de ação sustentado em domínio territorial é arcaico e antieconômico. De fato, custa muito caro “manter um exército, recrutar neófitos, armá-los, mantê-los unidos e disciplinados e tendo ainda que dividir os ganhos com a banda podre da polícia” (a expressão foi criada por Soares).
Por isso, essa modalidade de ação seria incapaz de competir com a das milícias, que se adaptaram mais facilmente à lógica diversificada do consumo, passando a comercializar não apenas drogas. Incluíram em sua “carteira de negócios” a exploração de todos os serviços públicos das comunidades — fornecimento de energia elétrica, venda de gás, pedágio dos transportes alternativos e oferta enganosa de segurança.
Além disso, os milicianos não andam de bermudão e chinelos de dedo, são bandidos de paletó e gravata que se infiltram em instituições do poder, frequentam gabinetes de políticos e têm representantes nas instâncias municipal e estadual. No começo, até autoridades se manifestaram publicamente a favor da organização. Em 2006, o então prefeito Cesar Maia chegou a definir essas forças paramilitares como “autodefesas comunitárias”, acreditando que elas enfrentariam o tráfico de drogas.
Até há pouco, isso aconteceu, com os dois grupos guerreando por espaço. A triste novidade, porém, é que a rivalidade foi substituída pela parceria. No domingo, a repórter Vera Araújo mostrou, numa exaustiva reportagem investigativa, como tráfico e milícias se uniram e estenderam seus domínios — da Zona Oeste do Rio, onde iniciaram a experiência, até a Costa Verde, passando pela Baixada.
O governador Pezão acaba de afirmar que “aqui se mata polícia como se mata galinha”. Não só polícia. A nossa guerra não poupa mulheres grávidas, crianças, jovens, velhos e não escolhe lugar nem hora. E pode piorar com a aguardada adesão ao esquema do poderoso Comando Vermelho, a única facção que ainda resiste à ideia.
Enquanto isso, um dos primeiros resultados da associação das quadrilhas foi a escalada da violência. O delegado Rivaldo Barbosa, da Divisão de Homicídios da Polícia Civil, calcula que, juntas, elas já são responsáveis por 80% dos homicídios do estado. Já o promotor Luiz Antônio Ayres, outro dos muitos especialistas ouvidos pela repórter, acha que se deveria formar com urgência uma força-tarefa específica para combater a associação. Segundo ele, milicianos e traficantes juntos podem formar a “mais perigosa facção criminosa do país”.
Não será por falta de avisos.