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Avanço fundamental

 

Especula-se que presidente Michel Temer, pressionado pela realidade que a cada dia mostra a gravidade da crise nas penitenciárias brasileiras, pretende procurar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para discutir a descriminalização do porte de drogas para uso próprio.

Seria uma decisão corajosa e urgente. O tema, espinhoso e que cria dificuldades políticas a serem exploradas pelos adversários, tem colocado em evidência internacional o ex-presidente, que co-presidiu a Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, juntamente com os ex-presidentes da Colômbia César Gaviria e do México Ernesto Zedillo, e também uma comissão internacional sobre o tema.   

Fernando Henrique, por essa campanha, foi colocado pela importante revista americana “Foreign Policy” entre os cem maiores pensadores internacionais “por dizer o que a guerra às drogas é: um desastre”. O tema estará também sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ainda este ano, provavelmente nos próximos meses, diante da premência dos fatos.

O Supremo começou a julgar a descriminalização do porte de drogas em 2015, e já existem três votos favoráveis à descriminalização do porte da maconha.   Na avaliação do relator, ministro Gilmar Mendes, a criminalização do porte de drogas para uso próprio estigmatiza o usuário, dificulta o acesso dele a meios de tratamento e o trabalho de prevenção ao uso de drogas.

Também contribui para que haja uma punição desproporcional ao usuário, violando seu direito à personalidade. Mendes votou, no entanto, para manter sanções administrativas ao porte de drogas para consumo: advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento em curso educativo.

Os ministros Luiz Edson Facchin e Luis Roberto Barroso votaram pela descriminalização apenas da maconha, que era o tema do processo, e o julgamento está parado pelo pedido de vistas do ministro Teori Zavascki, que pretende divulgar seu voto brevemente.

O tema é politicamente delicado, mas está sendo facilitado pela superlotação das cadeias e também pela atuação das facções criminosas, que acabam recrutando nos presídios novos “soldados”, transformando um usuário eventual ou mesmo pequenos traficantes em novos membros de uma quadrilha de atuação nacional.  

Como salienta Fernando Henrique, “descriminalizar não quer dizer despenalizar, e muito menos legalizar”. O ex-presidente explicou assim o seu empenho no debate público acerca das drogas, que não foi prioridade em seu governo: “Pouco a pouco fui tomando consciência das conseqüências da repressão às drogas, e percebi que ela é pouco eficaz. A guerra às drogas fracassou”.

A proposta central é transferir o enfoque da ação governamental da área judicial para a área da saúde, com a implementação de uma política de redução de danos. O objetivo imediato é a regulamentação da lei que trata das políticas de drogas no Brasil, diferenciando consumidor de traficante, e, entre os traficantes, os que exercem ou não o controle armado de territórios.

“A guerra às drogas e o proibicionismo não vão ajudar. Precisamos pensar caminhos alternativos”, concluiu o ex-presidente em um depoimento para um filme sobre sua cruzada. Na sua definição, a criminalização do pequeno traficante e o perfil repressivo do combate às drogas tem sido uma tarefa de “enxugar gelo”. 

Ele defende a especificação da natureza e da quantidade da droga na legislação, que é o tema do julgamento do STF. O modelo prisional brasileiro cumpriria, segundo especialistas, papel de recrutamento e repasse da especialização para pequenos traficantes, que são 90% dos presos, ficando conhecido por isso como ‘escola do crime’ ou ‘faculdade do crime’.

O Globo, 17/01/2017