A relevância da Câmara, como parte de um dos poderes da República, foi o destaque da sessão de ontem, quando a reforma da Previdência foi aprovada em primeiro turno por uma votação surpreendente pelo número de votos bem acima do necessário.
Ao final, o presidente Rodrigo Maia já puxou para a Câmara duas novas reformas: a tributária e a reorganização do serviço público, mantendo o protagonismo na reforma do Estado brasileiro
Há muito tempo não se viam deputados federais tendo o entendimento de que participavam de um momento histórico, sem receio de assumir suas posições.
O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, foi feliz ao definir as relações equilibradas entre o Legislativo e o Executivo como necessárias para uma democracia forte, chamando a atenção de que investidores, além das questões fiscais controladas, que indicam futuro mais seguro para seus investimentos, também olham para a qualidade da democracia praticada no país.
Raramente se viu no plenário da Câmara uma concordância tamanha. Todos eram favoráveis a uma reforma da Previdência. Um avanço diante da posição de anos atrás, quando muitos insistiam em que não havia déficit no sistema.
O que a oposição alegou é que esta reforma não era a correta para o país. Houve também outra aproximação de posições, no sentido de admitir, com maior ou menor ênfase, que a reforma impõe um sacrifício à população.
O dissenso ficou por conta da visão política de cada um, a oposição batendo na tecla de que os menos favorecidos serão atingidos. Os favoráveis à reforma, e não apenas os deputados governistas, defendendo a tese de que ela ataca os privilégios do atual sistema previdenciário.
Outra unanimidade ontem na Câmara foi a bandeira nacional. Trazida ao plenário pelos favoráveis à reforma, foi também abraçada pela oposição, cada grupo ideológico transformando-a em um símbolo de sua luta.
Nossa bandeira jamais será vermelha, gritaram líderes de partidos do centro-direita e liberais. A bandeira nacional não pode ser usada contra os mais pobres, devolveram os líderes da oposição.
A deputada Jandira Fegalli, do PC do B, chegou a dizer que era líder da minoria dentro da Câmara, mas que a oposição representava a maioria do povo brasileiro. Não foi isso o que as urnas mostraram nas últimas eleições, mesmo que o governo não tenha conseguido montar uma base parlamentar.
A maioria do plenário formou-se em torno não do governo, que não tem base majoritária, mas a favor de uma visão liberal da economia. A tendência conservadora da maioria dos eleitos para a Câmara parecia favorecer a criação de uma base parlamentar sólida, mas a negociação política foi conduzida de maneira desastrada pelo novo governo.
A definição de um relacionamento não promíscuo com o Congresso foi um ponto positivo do governo Bolsonaro. Até mesmo a liberação das emendas parlamentares e de bancadas às vésperas da votação é do jogo democrático, pois os parlamentares vivem do que podem beneficiar suas bases eleitorais.
O que não é admissível é compra de votos por baixo do pano, através da corrupção, como vinha acontecendo desde o mensalão, chegando ao petrolão.
Mas Bolsonaro não entendeu que a falta de promiscuidade não significa, por si só, um tratamento republicano. O novo Palácio do Planalto não conseguiu manter um relacionamento profícuo com o Congresso, e gerou uma disputa de poder que foi prejudicial à democracia brasileira.
A reforma só saiu porque a Câmara foi convencida da sua necessidade, mesmo que potencialmente impopular, e decidiu encarar o desafio. À medida que as discussões foram se desenrolando, a opinião pública foi também evoluindo no entendimento dessa necessidade.
A tal ponto que ontem muitos deputados de diversos partidos fizeram questão de aparecer em conjunto na tribuna do plenário. Um ambiente hostil à reforma da Previdência transformou-se em favorável ao longo do debate, e pesquisas de opinião mostram que a maioria já a apóia.
Sem dúvida o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, foi o grande artífice da união em torno do substitutivo aprovado na Comissão Especial. E pelo ambiente tranqüilo em que transcorreu a votação, já que tem uma relação muito boa com os partidos de oposição – chegou a brincar dizendo que o DEM poderia apoiar o deputado Marcelo Freixo para a prefeitura do Rio – e conseguiu manter o plenário em desarmonia controlada.