Entrevista de um teólogo nacional, que, pouco antes do último conclave, soltou verbo e barbas sobre a eleição do novo papa, satanizando o cardeal Ratzinger e considerando-o o grande inquisidor, o homem das trevas. Em recente entrevista, descobriu a pólvora, reconhecendo que o papa Bento 16 é diferente do cardeal que ele considerava a besta-fera dos tempos modernos.
Por Júpiter! Com a idade que tem, com os ensinamentos que deve ter recebido na ordem religiosa que abandonou, na pura e simples escolaridade profana, ele deveria saber que não apenas um papa mas qualquer governante de um Estado, de um governo, de uma instituição ou de uma empresa, ao ser nomeado ou eleito presidente ou chefe, é obrigado a subordinar suas opiniões pessoais aos interesses gerais do órgão que passará a dirigir.
Mesmo quando toma o poder na marra, inaugurando uma ditadura, de alguma forma ele terá de se submeter ao conjunto de forças e alianças que o ajudaram a conseguir o seu objetivo.
Um cardeal que chega a papa deixa obviamente de pensar e de agir como cardeal, como indivíduo. É evidente que manterá seu estilo e, no fundo de si mesmo, suas convicções pessoais. Assumirá uma responsabilidade que antes não tinha, por mais influente que tenha sido junto ao antecessor.
Uma responsabilidade que constitui uma herança de 2.000 anos, que orientará mais de um bilhão de crentes e, indiretamente, influenciará nas causas e nos problemas da sociedade global.
Ratzinger precisaria ser estúpido demais para ignorar o elementar mecanismo de um poder, de qualquer poder, seja religioso ou leigo. Daí, é lícito questionar a real motivação de um ex-religioso que, a se deduzir de seu atual espanto, se acaso tomasse o poder, como síndico de um prédio ou de uma aula de catecismo, levaria consigo o apego de suas idéias e a desforra de seus ressentimentos pessoais. Seria péssimo nas duas hipóteses, sobretudo nas aulas de catecismo.
Folha de São Paulo (São Paulo) 10/05/2005