Leio em Sábato: “Todos os homens necessitam de um chão e de um lar. Não podem viver sem pátria.” Ou, como queria Unamuno, sem '''mátria', mãe e pátria, verdadeiro fundamento da existência.” Pelo que vi sobre os festejos dos 500 anos, estamos com uma grande dívida de civismo e de amor ao Brasil, agredido sem defesa. Mas eu tenho orgulho e gosto dele, fiquei chocado com tudo o que aconteceu, os insultos e os incidentes.
Partiu-se de inverdades históricas, que foram do absurdo de dizer que nossa expansão foi feita com o extermínio dos índios até um IBGE de 1500, mais preciso do que o censo atual, contando 5 milhões! A questão indígena não é a de 1500, é a de 2000, na qual não conseguimos formular uma política capaz de conjugar a preservação da cultura indígena e do habitat com a invasão da civilização moderna, baseada em outros valores.
Os índios pré-cabalinos sobreviveram. Se eram 5 milhões, hoje são 100 milhões. A maior descoberta do século 20 foi o DNA, pelo qual se pode percorrer o caminho da evolução das espécies. Basta ver o rosto da mestiçagem nas próprias lideranças indígenas. Uma pesquisa científica recente, com o estudo do DNA na população brasileira, comprovou que 70% do nosso povo tem sangue índio, branco e negro. Nos primeiros séculos eram portugueses, ingleses, holandeses. Hoje, ano 2000, temos o brasileiro, miscigenado ao longo dos séculos, uma raça de que nos orgulhamos, um país mestiço, da convivência, sem guetos raciais: o Brasil cordial de Sérgio Buarque de Holanda, com identidade cultural.
A festa dos 500 anos foi salva pelo povo, no Carnaval, quando o Brasil inteiro, na explosão da alegria popular mais pura, comemorou o gosto de ser brasileiro. Agora, a Mostra do Redescobrimento, inaugurada em São Paulo, iniciativa fantástica, diz do que fomos capazes de fazer no terreno definitivo da cultura. Ali podemos ver como era a primeira brasileira, Luzia, esses ossos de 10 mil anos, e os que andaram nas cavernas milenares e deixaram as pinturas rupestres, a maravilha da cerâmica de Santarém, de 5000 anos, e uma magistral síntese da cultura brasileira nestes 500 anos, na arte dos índios, dos pretos, dos viajantes e de nossos artistas de todos os tempos.
Uma das peças mais bonita, que faz o bicho homem ser criatura de Deus, é um adorno de cabeça dos índios urubu-kaapos, que se completa num labrete, peça de cinco penas, material delicado de cipós e mãos, mas uma obra de arte extraordinária, na beleza das cores e transcendências das formas.
A Mostra do Redescobrimento fica como o que de mais importante se fez neste século para uma visão do Brasil. A cada metro quadrado está um pedaço genial deste grande país, pelo que ele produziu e inspirou de mais alto. Percorrê-la é andar num caminho de beleza que se transporta para dentro de nós.
A Mostra passa a ser a verdadeira comemoração dos 500 anos, homenagem ao Brasil, que tem homens como Edemar Cid Ferreira, o grande mecenas da cultura brasileira, que a concebeu e organizou, acolitado por colaboradores como Pedro Paulo Madureira e tantos outros, sob o patrocínio do empresariado nacional, redimido de sua alienação cultural.
Jornal Folha de São Paulo, 28/04/2000