Durante meses tentou arranjar emprego. Inutilmente. Era muito jovem e inexperiente, ninguém queria contratá-lo. A situação tornava-se desesperadora: vivendo ao relento, numa cidade distante da casa paterna, já estava até passando fome. E o pior é que não conseguia nem mesmo alimentar o cão.
Era seu maior tesouro, aquele pitbull. Ele o criara desde pequeno e nunca se separara dele. Os pais, os parentes, os vizinhos se alarmavam: como é que alguém poderia conviver com um animal tão feroz? Todos conheciam histórias de pitbulls que tinham atacado e até ferido gravemente pessoas. "Esse bicho não é um animal de estimação, esse bicho é uma arma, e uma arma perigosa", dizia um tio. Ele sabia disso, mas não se importava. O cão era seu amigo. Aliás, o único amigo que tinha. E por isso se afligia ao ver o animal faminto. Alguma coisa teria de fazer, senão por si próprio, então pelo cachorro. Mas fazer o quê? Estava até disposto a assaltar alguém, mas lhe faltavam condições para tal: nunca praticara um assalto, não sabia como fazê-lo. Sequer arma tinha.
Aí lembrou as palavras do tio. Se o pitbull era uma arma, por que não utilizá-lo? Resolveu tentar.
À noite, dirigiu-se com o cão para uma rua central da pequena cidade, deserta àquela hora. Parou numa esquina e ficou à espera. Não demorou muito, apareceu uma mulher de meia-idade, sozinha, caminhando apressada. Ele vacilou um instante e foi ao encontro dela. Quando o viu, a mulher deteve-se, evidentemente apavorada com o cão que rosnava ameaçador. Passa a bolsa, disse o rapaz. Sem hesitar, ela fez o que ele pedia e saiu correndo.
Àquele primeiro assalto seguiram-se outros, todos bem-sucedidos. O pavor em relação ao cão era generalizado. Mal o pitbull começava a rosnar, as vítimas, em geral mulheres, entregavam tudo, bolsas, relógios, dinheiro. Ele, e o cão, agora passavam bem, comendo do bom e do melhor. Mas mesmo assim, e talvez por causa dos remorsos, tinha um mau pressentimento. Que acabou se confirmando.
Numa segunda-feira à noite ele saiu para assaltar num dos pontos habituais. Desta vez, porém, não aparecia ninguém. Passava da meia-noite, e ele já pensava em desistir, quando avistou um homem vindo em sua direção. Hesitou; preferiria uma mulher, mas em último caso homem mesmo serviria.
Foi em direção a ele: isto é um assalto, passa a grana senão o cão te ataca.
Para sua surpresa, o homem não se mostrou nem um pouco intimidado. Ao contrário, fitava o pitbull com certa familiaridade. Disse umas palavras em voz baixa. Para surpresa do rapaz, o cão voltou-se para ele, rosnando ameaçador. Tão ameaçador que ele recuou assustado.
O homem foi embora, rindo. E aí o jovem descobriu o ponto fraco de seu esquema: a única pessoa que não dá para assaltar com um pitbull é um treinador de pitbulls.
Folha de São Paulo (São Paulo) 26/12/2005