O presidente Bolsonaro deu mais uma demonstração nos últimos dias de que não tem noção do que seja ser o líder de um país que tem importância por sua posição geopolítica, mais do que pela capacidade econômica, que tem sido pífia na ultima década, que já pode ser considerada perdida, como a de 1980.
Se as previsões de crescimento feitas pela Goldman Sachs se realizassem, o Brasil teria liderança não apenas na América do Sul, mas na América Latina como um todo. Sua torcida pela vitória do presidente Donald Trump nos Estados Unidos foi uma jogada política amadora, mesmo que tenha dado certo, o que parecia improvável no momento em que escrevia a coluna.
Transformar-se em um seguidor cego do líder da maior potência atual, por questões ideológicas, não agrega nenhum valor a seu apoio e, portanto, o desprestigia. Bolsonaro justifica seu apoio a Trump com o perigo do comunismo voltando à América do Sul com as vitórias na Argentina e na Bolívia, e a nova Constituição no Chile.
Trata-se de uma análise completamente equivocada, típica de um governo que vê comunistas embaixo da cama, como nos anos 50 e 60. Também a direita votou a favor de uma nova Constituição no Chile, pois mais do que se livrar de um resquício da ditadura militar, há a aspiração da grande classe média chilena de ter garantias sociais.
Também Trump acusa Joe Biden de comunista, e pode ter ganhado votos preciosos na Flórida, onde latinos desprezados pelo governo Trump preferem votar nele com receio do socialismo do qual fugiram em Cuba. Uma situação completamente surreal, mas que tem efeitos na realidade do dia a dia.
O presidente Bolsonaro considera que apostar suas fichas em Trump no momento em que ele estava em baixa valerá o agradecimento do presidente reeleito dos Estados Unidos. Como somos periféricos, estaremos sempre longe do interesse imediato dos Estados Unidos, sendo difícil que esse alinhamento incondicional leve a alguma vantagem concreta para o governo brasileiro.
A não ser nas questões sociais, onde o Brasil tem o apoio dos Estados Unidos em votações polêmicas na ONU. Uma vitória de Biden nos isolará mais ainda, nos colocando ao lado de governos conservadores, ditaduras africanas e do Oriente Médio, que hoje já são nossas parceiras na ONU em questões sociais delicadas como aborto e família, e em posições que nos colocam em oposição aos valores ocidentais como questões religiosas e relações com minorias.
A política ambiental brasileira só se mantém devido ao comportamento dos Estados Unidos em relação ao tema, que tem no abandono do Acordo de Paris o maior exemplo. Bolsonaro tentou imitá-lo, mas logo descobriu que não temos força política para arrostar tamanha afronta ao Ocidente. Mas mantém sempre a ameaça de sair a qualquer momento.
Com uma vitória de Biden esse apoio desaparecerá e, provavelmente, surgirá no lugar a possibilidade de sanções internacionais devido principalmente ao desmatamento da Amazônia e às queimadas. Os americanos se unirão novamente à Europa para uma política ambiental mais voltada para as energias renováveis, o que seria bom para o Brasil que tem amplas condições de explorar energia eólica, solar, biomassas e biogás. Além, claro, da hidrelétrica, que representa 63,8% da nossa matriz.
Teríamos todas as condições de nos juntarmos, como historicamente fizemos, a um esforço internacional de redução da emissão de carbono, não fosse a visão economicista do governo Bolsonaro em relação à Amazônia e ao Meio-Ambiente de maneira geral. Em vez de uma exploração racional das nossas riquezas na região, defendida em retórica pelo presidente Bolsonaro, o governo vai “passando a boiada” relaxando as normas de controle que impedem a exploração predatória da região.
Apostando na permanência de Trump, Bolsonaro aposta no atraso, o que combina com a defesa de seus interesses, não os do Brasil.