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A aposta tranqüila de Renan Calheiros

 

Os dias após a absolvição de Renan suscitaram interrogar todo o país quanto à suportabilidade do desfecho e aos limites de um mal-estar nacional. O inconformismo começa pela rebeldia do próprio aparelho institucional, com reflexos sobre a Carta Magna, da desobediência pelas oposições do seu dever no legislativo. Que respeito ao Estado de Direito é esse, diante de procedimentos democraticamente realizados, em rigorosa observância de suas maiorias? Não há greve no parlamento. Negar-se a votar ou dar quórum pelos formalmente derrotados implica lesão da República, tanto fere o ato de governar. De outra parte, ao lado do bom senso institucional a prevalecer, o país dá-se conta dos extremos da pressão coletiva dentro do jogo democrático. Deparamos a pressão direta por todos os meios de comunicação sobre o Presidente do Senado, no quadro já de apelo à sua consciência, ou à preservação de sua imagem avaliada e reavaliada pelo primeiro interessado. O futuro imediato é imprevisível, tendo-se em vista, tanto os novos desafios da modernidade ao protesto coletivo, quanto o ineditismo da figura política de Renan Calheiros. É em vão que se imaginará, por exemplo, que a enxurrada de e-mails e a onda eletrônica terão o impacto devastador previsto sobre o absolvido.


O estouro dos computadores pelo excesso de mensagens nas horas seguintes ao voto secreto, não tem condições de visualizar e visibilizar este protesto, no âmbito da arquitetura cívica real do país. Esvaem-se no lance da hora, e a sua contabilidade numérica abstrata nada tem a ver com o conhecido “povo na rua” e o desenho concreto do aguilhão cívico imposto às inércias políticas do país. No e-mail há, insensivelmente, uma rendição à comodidade do teclado em casa, no cumprimento indolor da tarefa de protesto. É um dado todo já de um conformismo democrático de nosso tempo: o do protesto sem riscos. Ficou no tempo a confrontação objetiva da cara posta à prova de quem protesta, e do corpo exposto ao cassetete policial e a entrada no camburão.


Não temos nenhuma crise resolvida, até hoje, pela onda da internet, que não é nem fantasma do que seja o desenho concreto de um dissenso social. Da mesma forma, transformando-se cada vez mais insensivelmente numa commodity, o político teclado estiola toda a ida à rua. Já se venceu, no caso, o momento em que, entre purgas e resmungos, se pudesse passar à marcha subseqüente à absolvição. Não há protestos programados que reciclem e cozinhem o repente cívico, e o que está em causa é saber-se até onde as novas tecnologias da comunicação estiolaram, de vez, a praça que não passa à ágora eletrônica. De outra parte, Renan Calheiros é exemplo inédito na agonia dos velhos sistemas, de quem paga para ver e resiste ao conchavo e ao país do tudo-bem. Aposta-se numa resistência cujo o trunfo é, exatamente, o de crescer a cada instante por fora do deixa-disso, ou do acordo, em meio de caminho, do velho país dos amigões. É risco a partir de uma inflexibilidade sem volta, no Brasil do até-certo-ponto e das emoliências de todo o sempre, as das espertezas em meio de caminho. Não do fato consumado, de saída, do ir-até-o-fim.


Jornal do Commercio (RJ) 21/9/2007