Há quem considere que a deterioração do nosso sistema eleitoral teve início quando os partidos políticos descobriram uma maneira certa de eleger mais candidatos sem precisar de tantos votos quanto o quociente eleitoral exige. Passaram a procurar primeiro artistas, radialistas e jornalistas televisivos, depois jogadores de futebol, e atualmente os candidatos evangélicos têm a predominância.
A Frente Parlamentar Evangélica tem hoje 115 deputados federais, 13 senadores e uma meta ambiciosa: chegar a 30% do Congresso, acrescentando 40 deputados e 11 senadores à sua bancada. É um projeto de poder político preocupante, que chegou a escalar o governo da cidade do Rio de Janeiro como passo importante. Mas essa primeira empreitada foi um fracasso fenomenal com a gestão do bispo Marcelo Crivella, sobrinho do bispo Edir Macedo, da Igreja Universal.
Com as coligações proporcionais, em boa hora extintas, bastava que cada partido tivesse um ou dois puxadores de votos para garantir a eleição de mais candidatos. O palhaço Tiririca teve 3 milhões de votos desde que se candidatou pela primeira vez à Câmara dos Deputados, em 2010. Com isso, estima-se que tenha levado no seu vácuo de cinco a dez candidatos menos votados. Além da extinção das coligações, o Congresso Nacional aprovou mudanças nas regras eleitorais para evitar que candidatos com poucos votos nas eleições proporcionais sejam eleitos pelos “puxadores de votos”.
Agora, os candidatos precisam atingir individualmente 10% do quociente eleitoral de seus estados, o número mínimo de votos que cada partido precisa ter para conquistar uma vaga no Legislativo. São tentativas de retirar das eleições influências que desvirtuem o voto popular. Mas a ação dos evangélicos continua inabalável.
A situação em que se meteu o ministro da Educação, Milton Ribeiro, entregando a pastores a destinação de verbas públicas a pedido do presidente Bolsonaro mostra uma face vergonhosa do aparelhamento político da máquina pública. Na CPI da Covid, já tinha ficado clara a existência de um gabinete paralelo no sistema de saúde pública, a partir da influência de lobistas no Ministério da Saúde. Cansamos de criticar os governos do PT, do MDB, do Centrão que nomeavam pessoas ligadas aos partidos sem capacitação para os cargos. E agora vemos que o Ministério da Educação se utiliza de critério religioso para tomar decisões. É o pior dos mundos, um governo que é guiado pelos interesses de uma religião.
É uma situação inadmissível, seja a religião que for. Pelo jeito, a prática de ter assessores informais existe em todos os ministérios — e, pior, assessores ligados a determinada linha de pensamento, que agem por fora, sem cargos oficiais. Na CPI da Covid, vimos que muitas pessoas trabalhavam dentro do ministério vendendo vacinas, e outras coisas, sem nenhum cargo no governo. É um governo informal, e a informalidade no governo não pode existir.
Pastores não têm nada a ver com o Estado, e sim com suas igrejas. Tanto que a contrapartida de soltar verbas oficiais para prefeitos era a construção de igrejas nos municípios beneficiados. Temos uma novidade na relação público-privada que chega ao extremo. Diante de todo o escândalo no Ministério da Educação, é quase certo que o ministro Milton Ribeiro saia do governo. O Centrão pode não ter força para fazer o sucessor, mas tem força para tirá-lo, porque o escândalo será explorado na campanha, e o governo precisa tomar uma providência.
Pode ser até uma primeira crise entre Centrão e Bolsonaro, que não abre mão de nomear um ministro para ter a garantia de que os valores tradicionais serão ensinados nas escolas, muito mais que a garantia de um projeto de educação organizado e necessário para o país. Por isso, a pasta já teve quatro ministros em seu governo.