As reviravoltas que o candidato à reeleição na prefeitura de São Paulo, Ricardo Nunes, tem dado na campanha eleitoral paulistana é digna de uma análise mais profunda. Na mais recente, numa ação quase desesperada para resgatar os eleitores bolsonaristas que estão com Pablo Marçal, o prefeito de São Paulo declarou arrependimento por ter apoiado a obrigatoriedade da vacinação contra a COVID-19, e defendeu a anistia aos golpistas de 8 de janeiro.
Houve um momento em que parecia que Nunes se livrara de Bolsonaro para ser o responsável de sua própria campanha, tamanha a diferença entre sua máquina eleitoral e a de Marçal, sem tempo de televisão e sem apoio partidário de peso. Bolsonaro, por sua vez, temia apoiar abertamente Nunes, com receio de que Marçal lhe tirasse a liderança entre os seguidores mais radicais. Nunes não era o candidato dos sonhos de Bolsonaro, segundo o próprio declarou, e também dos bolsonaristas, que viam em Marçal a expressão mais verdadeira do movimento.
O fato é que o segundo turno paulistano parece se encaminhar para um duelo entre Nunes e Boulos, e o prefeito vai precisar agradar essa parcela mais radical do bolsonarismo para garantir os votos que lhe darão a vitória, segundo as pesquisas eleitorais. Também Bolsonaro cobra de Nunes posição mais firme para sair de sua dubiedade. Quem se destacou nessa campanha foi o governador Tarcisio de Freitas, que desde o início manteve-se firme no apoio a Nunes, mesmo quando defendeu o voto nulo em caso de um segundo turno entre Boulos e Marçal.
“Contra a esquerda não há voto nulo” advertiu o vereador Carlos Bolsonaro, obrigando o governador a recuar. A cadeirada de Datena deu uma organizada na disputa, mesmo à revelia do apresentador, que apenas reagiu a um ataque que tocou em uma ferida doméstica ainda não cicatrizada, a acusação de ter assediado sexualmente uma funcionária. Datena queria apenas se vingar, mas expôs ao público a faceta farsante do candidato Marçal, que se vitimizou, fingiu uma consequência mais grave do que a realidade da cadeirada que levou, se refugiu numa inútil ambulância para ir para o hospital em uma encenação de seu próprio marqueteiro, como confessou mais tarde.
Depois da péssima repercussão, Marçal agora tenta posar de bonzinho, enquanto Nunes radicaliza sua performance para tirar de Marçal seus eleitores radicais. O cientista político Uriã Fancelli, em seu livro “Populismo e Negacionismo” da editora Appis, mostra a ligação entre os dois movimentos políticos, e a frase de Nunes sobre a vacinação é a maior prova empírica da tese do autor. A perpetuação no poder é o objetivo do populismo, e ser contra o estabelecido, seja na política, seja em outro campo, como o do aquecimento global, dá aos populistas uma bandeira antissistema que move a insatisfação popular.
Ao prefeito Ricardo Nunes foi exigida uma demonstração pública de adesão à parte mais obscura do bolsonarismo, a que causou mais de 700 mil mortes pela COVID-19. Em uma espécie de servidão voluntária, Nunes atravessou a rua para escorregar na casca de banana jogada por Bolsonaro, e perdeu o selo de qualidade que sua suposta neutralidade lhe dava entre os eleitores mais equilibrados.
Embora as pesquisas de opinião demonstrem que o prefeito tem vantagem folgada contra Boulos num provável segundo turno, essa mudança radical de comportamento pode lhe tirar votos dos centristas. Sua vantagem é que a imagem de moderação que Boulos tenta passar desde o primeiro momento de sua candidatura não casa com seu histórico político e, entre os dois, o radicalizado Nunes tem mais a ganhar do que o radical Boulos amansado. Os candidatos mudam ao gosto do freguês, o eleitor, fazendo com que o voto acabe sempre enganado.