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Anos 70: a alegria de um mundo triste

 

Cada época tem, mais ou menos, a gente que merece. Bem ou mal, eles e elas é que fazem o tempo. Marlene Dietrich sentada numa cadeira virou logotipo dos anos 30. Os Três Grandes (Roosevelt, Stálin e Churchill), em Ialta, marcaram os anos 40. Gagárin e Marilyn Monroe são símbolos dos anos 50. Os Beatles são os donos da década seguinte. Os anos 70, que alguns consideram interessantes, também produziram seus espécimes, nem melhores nem piores: a vida continua, muitas vezes é repetitiva e chega até a ser espantosa. Basta dizer que, em seu final, a figura mais badalada daquela década era um aiatolá que tentou ensinar ao Ocidente como se deve defecar: sempre de costas para Meca.


Felizmente, esses dez anos que passaram tiveram figuras e assuntos mais agradáveis: amantes se juntaram e se separaram, "new faces" como Margoux Hemingway, Farrah Fawcett, Caroline de Mônaco e Margaret Trudeau não deram para substituir o poder e a glória de alguns dos ídolos das décadas anteriores como Liz Taylor, que se separou e se casou com o mesmo e chatíssimo marido; Sophia Loren, que passou grande parte da década num CTI conjugal; e Jacqueline Kennedy, que nos anos 60 foi fotografada de cócoras na traseira do carro em que morreu seu primeiro marido, e nos anos 70, como mulher do finado Onassis, na ilha de Scorpius, deu ao mundo o espetáculo de sua nudez já então bastante castigada.


Hoje, ninguém se lembra de que houve um tal de Denner. É natural que perguntem: quem foi ele? Um costureiro que teve apogeu nos anos 60 e morreu no ostracismo nos anos 70. É assunto? Evidente que não. Mas foi. Muito se falou dele, morrendo ainda moço numa época que ele não entendia e que não o entendia. Época que viu a separação de dois casais promovidos pela mídia a modelos: Pelé e Rose, Roberto Carlos e Nice. Dois reis que viviam numa boa, citados como exemplo de felicidade conjugal. De repente, cada qual no seu galho, nenhum homem nem mulher é de ferro.


Rei também, mas de verdade, o da Suécia casou-se com uma quase brasileira, Silvia Sommerlath. Fui testemunha ocular das núpcias, na bela catedral de Storkyrkan, o gótico escandinavo em pedra, ébano e prata. (Fiz coisas abomináveis no passado e ainda as faço; também não sou de ferro.) O rei Carlos Gustavo não parecia rei, parecia um bancário ainda não bem-sucedido. Como acontece geralmente, o casal deu prole e, sendo a Suécia uma monarquia, deu também selo postal.


Casamento a que não pude assistir -porque, entre outras coisas, não chegou a haver- foi o de Frank Sinatra com Jacqueline Kennedy, muito anunciado naqueles anos. Seria dose. Com a morte de Onassis, parece que Sinatra deu umas voltas com a viúva do milionário grego que nunca perdera sua condição de viúva, adquirida dez anos antes, na traseira de um carro, como aliás já foi dito acima.


Apesar de insinuada e noticiada como um casamento clandestino (havia disso naqueles anos), a mídia internacional ficou a ver navios, não os navios de Onassis, que os tinha, e muitos. Jacqueline caiu em outro tipo de clandestinidade, pouco se falou nela nos anos seguintes. Sinatra, não. Passou para a década seguinte e veio ao Brasil, evento patriótico que vinha sendo prometido desde que em 1500 Cabral chegou a Porto Seguro. O Brasil não tinha pressa, nem Sinatra. Mas, se tivesse vindo com Jacqueline, seria a glória total: nós, brasileiros, temos muito daqueles índios que se assanhavam com a chegada das caravelas no já lembrado ano de 1500.


Não tivemos Sinatra nem Jacqueline, mas aqui chegaram com retumbante emoção na mídia nacional duas deusas badaladas na mídia internacional: Raquel Welch e Margaux Hemingway. Raquel cantou e rebolou "Aquarela do Brasil" em São Paulo, mas foi no Rio que conheceu um brasileiro, imediatamente promovido a amor de sua vida - outra mania, também, de diversas décadas anteriores: abriu nossas esperanças. Se um podia, qualquer outro também poderia.


Mas o tempo tem pressa e não há tempo para se ter tempo. Basta dizer que nos anos 70, nas folgas das bebedeiras que tomava, Richard Burton casou e descasou com Liz Taylor, casamentos nada clandestinos, pelo contrário. Até que todos se cansaram, nós e eles, ambos se casaram outra vez com outras vítimas. Liz descolou um senador bem-comportado, e Richard permaneceu fiel ao gênero, beliscou aqui e ali, mas não se fazem duas Liz Taylor no mesmo século.


Sua rival mais notável foi uma italiana de grandes peitos quando nem havia silicone. À falta de bons filmes, Sophia Loren escreveu um livro de receitas e uma autobiografia em que conta quase tudo, menos o que podia interessar. Nada de extravagante.


Extravagante foi o bode armado entre Bianca Jagger e seu marido Mick. Acusaram a moça de ser um travesti bem-sucedido. A calúnia não resistiu à prova: pedras que rolam não criam limo, e Mick Jagger deu a volta por cima tendo até um rebento brasileiro. Superou Frank Sinatra, que não fabricou nenhum filho por aqui, a menos que ainda apareça um.




Folha de São Paulo (São Paulo) 12/08/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 12/08/2005