A aprovação da reforma tributária ontem pelo Senado chegou em boa hora para o governo, que vem colecionando uma série de más notícias na área econômica, a justificar as palavras pessimistas do próprio presidente Lula quando admitiu publicamente que a meta de zerar o déficit não será alcançada:
— Nós sabemos que o ano que vem se apresenta como um ano difícil, (...) não vamos ficar parados esperando que notícias ruins aconteçam.
O problema é que, para o presidente, “não ficar parado” significa mais gasto. O rombo das contas públicas ficou em R$ 18 bilhões em setembro, em comparação com superávit de R$ 10,7 bilhões no mesmo mês do ano passado. Para piorar, a projeção de economistas era de superávit.
Os números já são consequência do aumento de gastos desde o início do governo. A PEC da Transição autorizou 2% do PIB, e o governo usou essa verba para superar a “herança maldita” supostamente deixada pelo governo Bolsonaro. Vieram programas sociais que são a base dos governos petistas, mas que não se sustentam a longo prazo sem um orçamento compatível: aumento real do salário mínimo; gasto com o Bolsa Família praticamente dobrado; o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); aumento de R$ 60 bilhões no gasto com saúde e educação para 2024.
Ninguém pode criticar as medidas, mas pode-se questionar a responsabilidade fiscal desses gastos, ou “investimentos”, como gosta Lula de dizer, com razão. Fazer investimentos sem poder gera déficit público e inflação. Tudo certo, mas números não mentem. O aumento de gastos em torno de 8,5% acima da inflação do ano passado exige maior arrecadação, o que não está acontecendo.
Há ainda mais uma controvérsia entre o Tesouro Nacional e o Banco Central independente, que não considerou como receita R$ 26 bilhões em setembro provenientes de recursos extraordinários do PIS/Pasep, dinheiro não reivindicado por contribuintes, incorporado pela União. O que para o Banco Central foi um déficit de R$ 16,5 bilhões em setembro transforma-se em superávit de R$ 11,5 bilhões para o Tesouro. Como essa verba extra surgiu sem que o governo fizesse nenhum esforço fiscal, o Banco Central não a leva em conta.
O saldo negativo de R$ 500 milhões das estatais, segundo dados do Banco Central, é para a oposição a prova de que o governo petista já começou a usá-las para gastos indevidos. Por isso a tentativa de aumentar a meta de déficit e de alterar as regras internas em estatais como Banco do Brasil e Petrobras, para permitir a participação de políticos em suas diretorias.
Os bolsonaristas olham para esses números como oportunidade de reafirmar os valores da gestão do ex-ministro da Economia Paulo Guedes, que teria deixado “tanque cheio” ao governo Lula, e este já praticamente usou toda a gasolina antes mesmo de completar um ano de governo. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que briga ainda internamente para manter a meta de déficit zero, já avisou que, com as concessões feitas no Senado, a alíquota do novo imposto terá de ser aumentada.
Aproxima-se o momento, também, em que novos impostos serão necessários para garantir crescimento e manter de pé o novo arcabouço fiscal, que substituiu o teto de gastos. O mais grave para o governo é que a popularidade do presidente Lula, apesar das benesses já liberadas, não parece se sustentar em antigos patamares.
Há uma sensação de que, como o próprio presidente disse, tempos mais difíceis estão chegando. Nos bastidores, petistas acusam o Congresso de defender pautas bombas. Mas, como têm de negociar, não fazem críticas abertas, ao contrário. O presidente da Câmara, Arthur Lira, não se incomoda em cutucar o governo. Apoia o déficit zero do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas pode criar ainda novas concessões na reforma tributária, como fez o Senado.