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A amada Zélia

 

Toca o telefone, no sábado chuvoso. É um repórter da Folha de São Paulo querendo um depoimento sobre Zélia Gattai Amado. "Como sabe, ela acaba de falecer em Salvador." Eu não sabia de nada. Foi um tremendo choque. Refeito do susto, pude apenas dizer, no primeiro momento, que o Brasil acabava de perder uma grande escritora e uma grande mulher, companheira ideal de Jorge Amado, com quem viveu 56 anos.


Depois da ligação, recordo o quanto éramos amigos. Desde os tempos da Manchete, que o casal freqüentava com assiduidade, nas muitas vezes em que estava no Rio, segundo Jorge "aspirando os bons ares de Copacabana."


Com a ajuda sempre preciosa de Zélia, inúmeras vezes conseguimos obter de Jorge a condensação dos seus romances que seriam lançados dali a tempos, o que configurava o que chamamos de "furo". Só à Manchete era dado esse privilégio. Como secretário estadual de Educação e Cultura, no início dos anos 80, com a responsabilidade de comando do Teatro Municipal, sugeri a Dalal Aschcar a montagem do balé "Gabriela", baseado no grande romance do autor baiano. Recebemos os direitos e foi um enorme sucesso. Como aconteceu com a minissérie na TV, outro grande êxito.


Zélia, sempre muito ativa, em geral ao lado da filha Paloma, estava sempre produzindo. Não se contentou em ser a mulher do consagrado escritor brasileiro. Ela mesma escrevia os seus livros - e fazia sucesso como aconteceu com "Anarquistas, graças a Deus", também presente na programação de TV com uma belíssima minissérie. Foi uma grande memorialista.


Quando estive na Suécia, visitando a Universidade de Estocolmo, procurei na sua imensa biblioteca o que havia de Brasil, nas estantes. Dois livros chamaram a minha atenção: "A economia da América Latina", de Celso Furtado, e "Capitães de Areia", de Jorge Amado. Ambos em versão sueca. Ao contar esse fato a Zélia, num dos nossos encontros na Academia Brasileira de Letras, onde era muito querida, seus olhos brilharam, e ela sorriu, agradecida, pois jamais se cansou de admirar a obra do marido famoso.


Outro bom momento que cabe recordar foi a presença de Zélia e Jorge no casamento do meu filho Celso, na sinagoga da Ari, há 21 anos. Eles tinham acabado de voltar de uma viagem à antiga União Soviética. Jorge fez questão de comprar, em Moscou, um cápale (solidéu) multicolorido, bem judaico, que usou com muito orgulho e destaque. Quando elogiei o bom-gosto, ele piscou o olho, na hora dos cumprimentos, e confessou baixinho: "Você não sabia que os Amado são cristãos-novos?" Depois, numa sessão da ABL, a que compareceu de terno branco e cabelos da mesma cor, o autor de "Velhos Marinheiros", provocado pelo presidente Austregésilo de Athayde, contou a odisséia da sua família, desde a Península Ibérica, até chegar ao Nordeste brasileiro, primeiro em Sergipe, depois na Bahia.


A hora é de homenagear a memória de Zélia Gattai Amado. Todos sentiremos muito a sua falta. Ela honrou a Cadeira nº 23, que pertenceu a Machado de Assis.


Jornal do Commercio (RJ) 23/5/2008