O governo Temer preferiu criar uma solução compartilhada na renegociação da dívida dos Estados a dar uma lição pedagógica aos governadores que não fizeram seus deveres de casa, e cujos governos encontram-se em situação falimentar.
Ao insistir em que a Câmara defina as contrapartidas a que estarão submetidos os Estados necessitados, o governo está criando um obstáculo para sua base aliada, talvez insuperável.
A derrubada das contrapartidas no projeto original não foi, como pode parecer à primeira vista, uma ajuda aos governos estaduais. Ao contrário, foi uma demonstração de que a maioria dos deputados federais, por motivos diversos, queria que os governadores assumissem as restrições.
O que o presidente Michel Temer fez ao vetar parcialmente o projeto foi mais uma vez atender aos governadores mais necessitados, que, como no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, não conseguiram aprovar em suas Assembleias as restrições fiscais necessárias à renegociação da dívida.
O regime de recuperação fiscal suspende por três anos o pagamento da dívida de Estados em calamidade fiscal. O texto rejeitado pela Câmara, e agora vetado em parte previa que, durante a moratória, os Estados ficariam proibidos de conceder reajustes aos servidores, criar cargos, realizar concursos públicos, criar despesa obrigatória de caráter continuado e gastar com publicidade oficial, entre outras restrições.
O Presidente estava disposto a sancionar o projeto, e fazer uma renegociação caso a caso entre os governos estaduais e o Ministério da Fazenda, mas essa solução, semelhante à que foi adotada em 1997 na renegociação da dívida no governo Fernando Henrique, não agradava ao ministro Henrique Meirelles, que retornou ao país das férias no exterior para estar ao lado de Temer no anúncio do veto parcial.
Meirelles considera que somente com a garantia de que as contrapartidas serão cumpridas é possível renegociar a dívida sem dar a sensação ao mercado de que o governo está sendo leniente com os governantes que estão em crise financeira, sem conseguir nem mesmo pagar os salários.
Como a situação dos estados não é homogênea, e até mesmo existem os que estão com as contas equilibradas, não será fácil ao governo mobilizar sua base parlamentar para aprovar o novo projeto, mesmo que ele seja negociado durante o recesso. É mais fácil haver uma união para derrubar o veto presidencial do que para aprovar as novas contrapartidas.
Os deputados continuam irritados com o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Guardia, que deu uma entrevista ontem afirmando que a Câmara desvirtuou o projeto original e queria dar aos governadores uma renegociação das dívidas sem necessidade de contrapartidas.
Na votação do projeto, ele já havia tentado que a base aliada abandonasse o plenário para evitar a votação, pois o Palácio do Planalto já previa que seria derrotado. Este será um teste bastante duro, mas necessário, para o governo Temer avaliar a consistência de sua base parlamentar que, segundo levantamento do Estadão Dados, tem proporcionado ao Palácio do Planalto um índice inédito de aprovação nos governos de coalizão: 88% dos projetos do governo foram aprovados pelo Congresso.
O momento para a definição de forças não é o melhor para o Palácio do Planalto, já que a base parlamentar está abalada pela disputa das presidências da Câmara e do Senado. O negociador mais importante da Câmara, seu presidente Rodrigo Maia, no momento tem como prioridade a reeleição. No Senado, o atual presidente Renan Calheiros não acompanhou o presidente Temer na visita que fez a seu Estado, Alagoas.
Desta vez, o governo parece querer definir até que ponto está disposto a negociar, e até onde os parlamentares podem impor suas opiniões contra o projeto econômico do governo.
Assim como o governo Temer, fortemente congressual, depende de apoio parlamentar, também a base aliada precisa que o projeto econômico do governo seja crível para que ele se mantenha como uma alternativa viável ao caos.